TODA A MULHER É MEIO LEILA DINIZ

Minha vida social na adolescência se deu integralmente na esquina da rua onde morava com os meus pais. Nela se reuniam eu e mais quatro garotos que beiravam entre os doze e quatorze anos de idade e que tinham como teto para competir sabedoria e esperteza, o imenso céu estrelado nas noites de verão, Quando extrapolávamos com gargalhadas ou mesmo falando alto, um ou outro vizinho gritava de sua casa: -Vão pra casa dormir seus vagabundos, aqui tem gente que trabalha amanhã cedo!..

Discutíamos e disputávamos tudo, desde cenas de filmes de cowboy,  os personagens mais corajosos dos filmes de guerra, os heróis com maiores poderes extra humanos, quem cuspia mais longe, até os imaginários sonhos com garotas que nem sabiam da nossa existência. 

Um dia me encantei por uma garota da televisão, que eu não podia contar pra ninguém. Ela não era o tipo de garota, que se contasse estar apaixonado. Minha mãe a detestava, dizia que era vulgar, desbocada e que falava tudo que lhe vinha na cabeça, com a naturalidade de uma mulher sem classe. Eu descordava disso e cada vez que a via e ouvia tal garota, mais, me sentia preso nas malhas de sua sedução, que não eram dirigidas somente pra mim, mas para tantos quantos, se permitissem ouvi-la falar de suas fragilidades de mulher e desejos de liberdade não aceitas. 

Gravida, numa tarde de sol, ela resolveu tomar banho de mar e virou um escândalo nacional, uma ofensa para as famílias de bem e de conduta social respeitáveis. Foi flagrada, fotografada com sua enorme barriga saindo do mar. Mulheres até então, não eram tão explicitas, não falavam abertamente sobre sexo, não mostravam suas barrigas gravidas publicamente, como não denunciavam assédios sofridos, muito menos por a boca no mundo como ela fazia.

Depois de algum tempo, minha paixão foi se acalmando, se transformando em admiração, meus interesses tomando outros rumos e meus amigos, substituídos por outros. Numa manhã fria de 1972, soube que ela havia partido e se calado para sempre, com a queda de um avião na Índia. Hoje toda a mulher que não se cala e se reconhece, é meio Leila Diniz.

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