Dona Marlene tinha um cheiro de antibiótico com injecção de eucalipto para gripe entranhado nas mãos e possivelmente no corpo todo. Ao menos era esta a sensação que me tomava, quando ela vinha na minha casa para tratar de mim ou de minha irmã quando estávamos doentes. Era da maior confiança de minha mãe que seguia à risca tudo que ela mandava. Quase nunca sorria, era de poucas palavras, fazia o que tinha de fazer e ia embora depois das orientações de enfermagem que dava com uma voz calma e apropriadamente profissional, exalando na casa aquele aquele cheiro de muitos remédios e produtos anti- sépticos que pareciam arderem nas minhas narinas e me provocarem aversão.
Dona Marlene não me causava medo nem raiva, mas era uma presença negativa e detentora de um poder que fazia alterar todas a liberdade que tínhamos enquanto crianças, enumerando regras e proibições, além do que, aplicava injecções que evidentemente tínhamos pavor, mas que por algumas implicações se faziam necessárias.
Dona Marlene não me causava medo nem raiva, mas era uma presença negativa e detentora de um poder que fazia alterar todas a liberdade que tínhamos enquanto crianças, enumerando regras e proibições, além do que, aplicava injecções que evidentemente tínhamos pavor, mas que por algumas implicações se faziam necessárias.
O tempo foi passando e suas visitas diminuindo, até não vê-la mais. Acho que fomos crescendo e as doenças de infancia desaparecendo com o tempo, embora sua presença tenha se fixado na minha memoria de modo a nunca esquecer de seus traços faciais marcantes, suas mãos brancas e a caixinha de injecções que na época do "não descartável", era de um inox reluzente e cheia de mistérios escondidos.
Mais de quarenta anos se passaram até revê-la ontem por ocasião de um chamado para a sua filha que havia sido agredida e que eu nem sabia da existência. Logo que cheguei no endereço desconhecido a reconheci no portão, ansiosa para levar-me até a filha gemente sobre a cama. Evidente que não me reconheceu, afinal hoje sou homem feito e bem diferente da criança franzina que fui aos sete anos de idade. Mas o que quero confessar é o sentimento que se apoderou de mim naquele momento em que eu prestava atendimento. Ver dona Marlene ansiosa e fragilizada com o que havia acontecido com a filha, parecia transforma-la num ser humano disassociado do estereótipo frio e sem sentimentos que criei de sua pessoa. Era como se barreiras emocionais da minha infância, estivessem sendo quebradas e eu sendo compensado e de alguma forma liberado de angustias muito antigas; não pelo infortúnio ocorrido com o sua filha, não era um sentimento de vingança, mas uma inversão de papeis necessário, libertador. Dona Marlene não fazia ideia de quem eu era e isto me deixava muito confortável.
Mais de quarenta anos se passaram até revê-la ontem por ocasião de um chamado para a sua filha que havia sido agredida e que eu nem sabia da existência. Logo que cheguei no endereço desconhecido a reconheci no portão, ansiosa para levar-me até a filha gemente sobre a cama. Evidente que não me reconheceu, afinal hoje sou homem feito e bem diferente da criança franzina que fui aos sete anos de idade. Mas o que quero confessar é o sentimento que se apoderou de mim naquele momento em que eu prestava atendimento. Ver dona Marlene ansiosa e fragilizada com o que havia acontecido com a filha, parecia transforma-la num ser humano disassociado do estereótipo frio e sem sentimentos que criei de sua pessoa. Era como se barreiras emocionais da minha infância, estivessem sendo quebradas e eu sendo compensado e de alguma forma liberado de angustias muito antigas; não pelo infortúnio ocorrido com o sua filha, não era um sentimento de vingança, mas uma inversão de papeis necessário, libertador. Dona Marlene não fazia ideia de quem eu era e isto me deixava muito confortável.