Bode espiatório

Quando chegamos do passeio, já noite, o café já estava pronto com pão quentinho sobre a mesa e Ada anunciava para todos ali presentes, que Carlinhos iria leva-la para dançar. Ele confirmava com bom humor a sua promessa de leva-la e convidava todos nós para acompanha-los. Ju também demonstrou interesse e logo convenceu seu marido Patric de irem juntos a o baile. Paulo e Tânia se dividiram, ele queria ir, mas ela não, confessava estar cansada e iria em seguida para cama. Todos tomaram seu banho rapidamente e arrumaram-se e se encasacaram pois estava frio naquela noite.


Insistiram para que eu também fosse, mas decididamente não estava disposto e me sentia muito cansado para um programa daqueles. Até que Paulo convenceu Tânia que também trocou de roupa rápidamente, despediram-se e foram pegar o carro. Carlinhos que iria dirigindo, colocou a chave na ignição girou uma vez e, inhé, inhé, inhé, inhé, inhé, duas vezes, três, inhé, inhé, inhé, quatro vezes e nada do Fusca pegar!
_E agora? Será que afogou? Mas daqui um pouco ele pega!..
_Não, ele não vai pegar! _disse o Patric acostumado com a teimosia de seu Fusca.
Todos voltaram para dentro de casa com mescla de decepção e alívio. Era isto que eu percebia em seus rostos uma dúvida que os dividia desde o momento em que decidiram sair. Como se todos tivessem concordado mesmo com pouca disposição, sómente para não decepcionar e assim realizar o desejo do outro.
_Viu só o Luís estava certo, em ficar em casa!_alguém falou.
_É mesmo ainda mais que ele ganhou um charuto de um negro velho, quando foi buscar cigarros hoje no mercadinho da esquina! _E este charuto ofertado assim do nada não foi em vão!..
_tem que ser aceso na tua casa para não perder o efeito!
Daí começou uma exposição de ideias místicas, sobre o charuto dado para mim pelo estranho negro velho que ninguém conhecia pela minha descrição .
_Tem coisas que não são propicias em determinados dias e a gente insiste. Quando vi vocês saindo em direção deste Fusca, imaginei que ele apresentaria algum problema. Vi ele caindo dentro de uma vala com todos dentro! _Conclui fazendo uma brincadeira de mal gosto com o objetivo de assusta-los. O silencio se estabeleceu entre todos os presentes e tudo pareceu cair num clima obscuro e de mistério. Percebi ter ido longe demais, ter mexido em algo interno das pessoas que não se deve mexer e por pura brincadeira. Até que eu pedi a chave do Fusca, girei a ignição e ele pegou de primeira.
_Oh, liguei o Fusca, agora todos podem ir!.. _Disse eu, tentando me sentindo redimir de um erro e voltando para dentro de casa. Ele deveria estar afogado mesmo, pensei em silencio.
_ Deixei ele ligado!
Todos permaneceram em silencio e ouvi alguem ainda dizer:
_É pra ti ir junto!..
Depois surgiram outras observações e então todos resolveram se recolher, crentes de que se saíssem, algo de ruim pudesse acontecer à todos. Acho na verdade que ninguém queria sair naquela noite e as pessoas inconcientemente trataram de achar uma desculpa para elas mesma e fazer de mim, o charuto e o negro velho desconhecido, uma espécie de desculpa ou bode espiatório.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você pode fazer seu comentário clicando sobre o título da postagem onde será direcionado para Conversa Fiada, com espaço para a publicação da sua opinião. Ela será acolhida com atenção e carinho e sempre que possível respondidas.

Postagem em destaque

AS TRES MENINAS

As três meninas eram dos campos da Cecília. Eram três meninas loirinhas cujos cabelos pareciam trigo solto ao vento. Quando seus pais abrira...