PONTO CEGO.

Nesta sexta-feira, dia internacional da cerveja, levantei cedo para compromissos inadiáveis. Depois de tudo resolvido, ou ao menos encaminhado, decidi dar uma passada no Santander Cultural, na Praça XV, centro de Porto Alegre, para reencontrar um amigo de viagem e ver a mostra de fotografias, desenhos, pinturas, colagens e videos do artista plastico Miguel Rio Branco, chamada de Ponto Cego. Primeira surpresa, o Santander estava intencionalmente quase às escuras, para que as obras do artista se tornassem ainda mais evidentes ao olhar dos visitantes.


São 110 obras, numa multiplicidade de cores, simbolismos e efeitos, retratando os que estão à margem da sociedade e que poucos tem curiosidade ou interesse de conhecer, fora de uma exposição, esta realidade tão cruel. Os painéis de fotografias principalmente e que mais chamou-me a atenção, retratam a tristeza, a pobreza, a prostituição, a ternura, marcas da violência, sedução, relações interpessoais marginalizadas e outros sentimentos transmitidos através de expressões oprimidas, resignadas, degradadas e identificadas nos semblantes castigados pela vida, nos olhares e gestos, marcados por uma falta de esperança que são imposto aos excluídos, aos que não possuem chance de uma melhor escolha.


O trabalho do artista é tão vibrante e a mesmo tempo tão impactante, que nos faz pensar em como tudo aquilo pode ser possível. A fotografia de um cão sarnento e abandonado na rua, assim como a de um homem sentado bêbado ou talvez drogado na calçada, colocam-lhes na mesma posição de desleixo e de abandono. Mulheres com cicatrizes pelo corpo e pelo rosto, marcadas por uma violência com impunidade e desumanidade. Detentos aprisionados em uma cela, como se fossem animais, crianças maltratadas, homens esmagados nm coletivo como se fossem simples cargas...


As obras que foram produzidas entre 1986 e 2012 para compor a exposição, são tão aflitivas quanto educacionais, no sentido de nos forçar a uma reflexão profunda e pessoal desses fatos que modelam uma sub-sociedade perversa e que alavanca regras e costumes tão violentos e aquém da nossa realidade de confortos e modernidades.


Alguns desses trabalhos fotográficos resgatados pelo artista, no Pelourinho em Salvador, em Cuba, e no Deserto do Atacama no Chile, mostram que a pobreza e a exclusão social não possuem fronteiras geográficas,  que pessoas apresentam atitudes, reações e sentimentos semelhantes independente de raças e nacionalidades, quando lhe são negados dignidade.


Bom, eu não acredito em simples coincidências e acho que o nome da exposição veio a calhar numa perfeita elucidação da realidade, já que ponto cego em particular é uma obscuração do campo visual, uma parte do campo de visão não percebida. O trabalho de Miguel Rio Branco vai alem da perfeita performance estética, mas como uma denuncia de cunho artístico, na sua mais intensa profundidade, sobre esses desdobramentos sociais e humanos a serem questionados com atenção. E nossa.., o olhar deste cavalo me pareceu estar dizendo tantas coisas!..

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