LUZ E SOMBRA do Livro Morangos Mofados de Caio Fernando de Abreu

LUZ E SOMBRA:
[Deve haver alguma especie de sentido ou o que virá depois?- São coisas assim as que penso pelas tardes, parado aqui nesta janela, em frente aos intermináveis telhados de zinco onde às vezes pousam pombas, e dito desse jeito você logo imagina poéticas pombinhas esvoaçantes, arrulhantes. São cinza as pombas, e o ruido que fazem é sinistro como o de asas de morcegos. Conheço bem os morcegos, seus gritinhos agudos, estridentes. Mas não quero me apressar. Penso que se conseguir dar algum tipo de ordem nisto que vou dizendo haverá em conseqüência também algum tipo de sentido. E penso junto, ou logo depois, não sei ao certo, que após essa ordem e esse sentido deve vir alguma coisa. O que depois?- pergunto então para a tarde suja atrás dos vidros, e sinto reconfortado como se houvesse qualquer coisa feito um futuro à minha espera. Assim como se depois do chá fumasse lentamente um cigarro mentolado, olhando para longe, aquecido pelo chá, tranqüilizado pelo cigarro, enlevado pelo longe e principalmente atento ao que virá depois deste momento. Faz tempo não tomo chá, e controlo tanto os cigarros que, cada vez que acendo um, a sensação é de culpa, não de prazer, você me entende? Não, você não me entende. Sei que você não me entende porque não estou conseguindo ser suficientemente claro, e por não ser suficientemente claro, além de você não me entender, não conseguirei dar ordem a nada disto. Portanto não haverá sentido, portanto não haverá depois. Antes que me faça entender, se é que conseguirei, queria pelo menos que você compreendesse antes, antes de qualquer palavra, apague tudo, faz de conta que começamos agora, neste segundo, e nesta próxima frase que direi. Assim: é um terrível esforço para mim. Se permanecer aqui, parado nesta janela, estou certo que acontecerá alguma cosa grave- e quando digo grave quero dizer morte, loucura, que parecem leves assim ditas. Preciso de algo que me tire desta janela e logo após, ainda, do depois. Querer um sentido me leva a querer um depois, os dois vêm juntos, se é que você me entende...] 

Por que postei este pedaço do texto de Caio Fernando de Abreu as seis horas da manhã? Não sei a o certo!...talvez por identificação e porque perdi o sono. Por causa da janela como pano de fundo descrito no texto e coincidentemente algumas vezes tento ver o meu mundo através de uma delas? Obter minhas respostas? Pelas pombas cinzas sobre os telhados que também arrulham sobre as casas vizinhas daqui?... Infinitos telhados, a duvida sobre o sentido das coisas, e a compreensão do fluxo quem sabe monótono ou apressado da vida, do nosso interior, a ânsia de se compreender e ter respostas a tudo isto? Algo neste texto descreve pontos que me são pessoais, particularmente especial em minha vida, em minha loucura particular, batendo em minhas duvidas, cutucando reticencias que há em mim e acredito também, em ti e que se falarmos ninguém compreende.

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