Meu avô e eu tinha uma relação de distancia...( distancia essa imposta por ele e que só mais tarde vim saber a razão). No dia de seu velório, aproximei-me para vê-lo deitado no caixão de terno escuro e mãos sobrepostas, cobertas por um lenço branco. Era um dever de todos os entes queridos independente da idade, dar o ultimo adeus, com um beijo de despedida na testa de quem morresse. Embora não me sentisse querido, sentia-me na obrigação de faze-lo por uma questão de respeito a minha avó e aos que estavam presentes. Sentia arrepios só em pensar em ter que encostar minha boca naquele rosto que parecia de cera, pálido e frio, mas precisava me imbuir de coragem e seguir em frente.
Quando o representante do templo que ele frequentava chegou para encomendar-lhe a alma, senti que teria ainda alguns minutos antes do temido sacrifício, embora soubesse que cada vez mais se aproximava do momento. Todos se despediram e então chegou minha vez.
O beijo foi rápido e com aquela sensação de que tinha recebido um castigo e que duraria para toda a minha vida.
O caixão foi lacrado e então todos saíram para a rua, de cabeças baixas, em silencio, acompanhando-o até sua morada final.
O corpo quando é preparado e entregue aos familiares, não é o mesmo da pessoa que conhecemos, vem alterado, completamente alterado. A face vem maquiada com pó de mármore e os lábios de cor desbotado, fugindo do que habitualmente conhecemos. Tudo perde a cor, até os traços marcados por sentimentos desaparecem e não são mais reconhecidos por nós. Há uma falsa serenidade presente, uma imobilidade impactante que assusta.
A alma foge do corpo e não é mais possível ver o brilho nos olhos, por hora fechados, para sempre fechados. Desta forma, sem alma, não pode existir serenidade.
Já não temos presente a pessoa que conhecíamos, temos apenas um pedaço de carne, diferente de quem conhecíamos e então começamos a sentir saudades do que está faltando e que não está ali, como se tudo fosse um teatro, uma mentira que tomaremos como verdade para sempre.
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