Em que momento perdemos a inocência?

_De que são feita as estrelas?
Perguntou a senhora para a menina de cinco anos que eu atendi ontem.
_De pedacinhos de espelho!
_E as nuvens?
_De algodão!
_E o planeta Terra?
_De gente feliz!
_E a noite?
_É quando eu fecho os olhos para dormir!
E a senhora continuava a perguntar insistentemente para a menina que era uma candura e respondia a tudo espontâneamente e com a certeza de seus conceitos inocentes, imaginativos e olhar sonhador.
Fiquei pensando de que mundo vinha aquela doce criaturinha e em que momento mudamos nossos conceitos pessoais pelos conceitos do mundo e das regras impostas. Em que momento somos obrigados a crescer e perdermos a inocência para sobreviver nesta guerra e virarmos adultos, em que momento?

Beirando desconforto

Por mais que eu corresse e empurrasse o pé contra o acelerador e fixasse meus olhos para ver os traços luminosos no asfalto escuro da avenida Ipiranga, eu sentia que precisava ir com mais presa ainda, com mais vontade, com mais urgência de chegar em casa e me atirar sobre a cama e ficar em minha companhia, quieto. As vezes fico assim, somente eu me suporto, somente eu posso encontrar minha posição de conforto, somente eu posso escapar de mim e me encontrar de novo. Desconfortos algumas vezes nos fazem retomar novas posições emocionais diante de nós mesmos, abre possibilidades a futuros recomeços intrínsecos. Uma pausa, ponto, nova linha, travessão, reiniciar e traçar novos caminhos...

Caixa de Pandora

Como não tens mais escrito, tenho a sensação de que perdi algo em ti que não sei o que é, que não tenho quando estou do teu lado, te olhando no olho, bebendo vinho, sentindo tua respiração lenta e profunda. Acho que algo que impactava com minhas ideias e me deixava pensando e que não se revela nos encontros pessoais. Clico na porta que se abre e nada de novo alem do azul e da musica que se repete. O que tens feito de tuas inspirações, o que tens pensado solitariamente que não revelas mais, o que tens guardado em tua caixa de Pandora?


Dia de Verão

Acordei com o sol invadindo o quarto e alguns raios batendo no meu rosto. Dia bonito e com ruídos identificáveis que me dão a sensação de há vida lá fora além da minha aqui neste quadrado organizado. Parece aqueles dias que antecedem viagens-> decisões-> mudanças-> e que a vida te dá algumas pistas discretas a serem percebidas nas coisas mais óbvias. Um canto diferente de pássaro na árvore, choro de criança na calçada, alguém apertando a campanhia do apartamento vizinho. Tudo tão absolutamente normal, mas diferente de outros dias em que o silencio é maior e tão espaçoso quanto o mar, incomodo como uma cela apertada, em que percebo minha própria respiração se fazer audível nas imensas ondas de silencio que algumas vezes me faz bem, noutras mal e tem dominado os dias frios e chuvosos daqui. Talvés a diferença esteja em mim e não neste dia que parece um Verão um tanto esquecido.

Além do ponto

Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso. Teve uma hora que eu podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse um táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque, e eu pensei com força então que seria melhor chegar molhado da chuva, porque aí beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos, e fumaríamos beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pêlos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d'água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, que me abriria a porta, o sax gemido ao fundo e quem sabe uma lareira, pinhões, vinho quente com cravo e canela, essas coisas do inverno, e mais ainda, eu precisava deter a vontade de voltar atrás ou ficar parado, pois tem um ponto, eu descobria, em que você perde o comando das próprias pernas, não é bem assim, descoberta tortuosa que o frio e a chuva não me deixavam mastigar direito, eu apenas começava a saber que tem um ponto, e eu dividido querendo ver o depois do ponto e também aquele agradável dele me esperando quente e pronto. Um carro passou mais perto e me molhou inteiro, sairia um rio das minhas roupas se conseguisse torcê-las, então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa tipo mas como você está molhado, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me chamava, eu só ia indo porque ele me chamava, eu me atrevia, eu ia além daquele ponto de estar parado, agora pelo caminho de árvores sem folhas e a rua interrompida que eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta, chegando muito perto agora, tão perto que uma quentura me subia para o rosto, como se tivesse bebido o conhaque todo, trocaria minha roupa molhada por outra mais seca e tomaria lentamente minhas mãos entre as suas, acariciando-as devagar para aquecê-las, espantando o roxo da pele fria, começava a escurecer, era cedo ainda, mas ia escurecendo cedo, mais cedo que de costume, e nem era inverno, ele arrumaria uma cama larga com muitos cobertores, e foi então que escorreguei e caí e tudo tão de repente, para proteger a garrafa apertei-a mais contra o peito e ela bateu numa pedra, e além da água da chuva e da lama dos carros a minha roupa agora também estava encharcada de conhaque, como um bêbado, fedendo, não beberíamos então, tentei sorrir, com cuidado, o lábio inferior quase imóvel, escondendo o caco do dente, e pensei na lama que ele limparia terno, porque era a mim que ele chamava, porque era a mim que ele escolhia, porque era para mim e só para mim que ele abriria a sua porta. Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorri mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca
Caio Fernado Abreu Do Livro: Morangos Mofados

Protegendo a alma com musica

Meu colega e eu, passamos parte do trabalho, brincando de cantar algumas canções do passado que ainda conseguimos lembrar e isto nos faz sentirmos mais leve e intimamente ligados por sentimentos que vivenciamos cada um em sua trajetória pessoal de vida, em seu espaço emocional. É também uma espécie de terapia que utilizamos para diminuir o estresse que adquirimos e amenizar as dores e queixas que assimilamos durante os plantões. Pulverizamos tudo que pode envenenar nossa alma com musica, muita musica, não importa qual seja!

"De que serve viver tantos anos sem amor.
Se viver é juntar desenganos de amor.

Se eu morresse amanhã de manhã

Não faria falta a ninguém
... Ninguém telefona, ninguém
Ninguém me procura, ninguém
Eu grito e um eco responde: "ninguém!.."
Se eu morresse amanhã de manhã
Minha falta ninguém sentiria
Do que eu fui, do que eu fiz
Ninguém se lembraria ".

Para onde vão as nuvens?

Contemplo pela janela do meu quarto a noite de inverno chuvosa e fria, as persianas erguidas batendo ao comando do vento, o céu escuro formando sombras deformadas em movimentos compactos se indo na mesma trajetória desconhecida. Para onde vão estas nuvens? O que foi feito dos outros Invernos guardados em mim? Invernos medrosos, assombrados, mesclados de arrepios que viravam prazer de menino. Lembro-me da brasa no fogão à lenha, do sabor de bolo de milho e histórias de fantasmas que me faziam sentir calafrios e agora não mais sinto. Percebo que o inverno de hoje mudou de identidade, não é o mesmo da minha infância que me fazia esconder o rosto sob as cobertas pesadas e feito à mão. Onde está o cheiro e a luz do lampião à querosene, a foto de Marlene Dietrich colada na parede, o coaxar de sapos na rua, o pingar na telha de zinco, o vapor da boca formando desenhos na vidraça. Afinal para onde vão as nuvens antes de virarem agua... E eu para onde estou indo antes de virar pó?

Luz Azul

O que vejo daqui de cima são telhados vermelhos onde a chuva bate demoradamente, há quase dois dias. A noite foi calma e lembrei que preciso de uma luz azul ao lado da cama para restabelecer a energia perdida. Fim de semana, no encontro com pessoas, esperei que elas se apresentassem com alguma luz que as tornassem mais bonitas, com aquele brilho no olhar que se diferencia dos olhares comuns, dos atos habituais, das atitudes esperadas, dos discursos negativos, doentios e sem novidades... Eu esperava verdade, reflexão, delicadeza, humanidade, sensibilidade ou simplesmente alegria, que não encontrei e me empurrou para baixo. Mas não poderia deixar de mencionar uma pessoa que destoava de todos, porque parecia trazer consigo a experiência magica de conhecer as primícias da alma humana e seu olhar me transmitiu conforto e confiança enquanto falava. Seu dialogo era límpido, homogêneo, pontual e suas palavras parecia em varios momentos o divisor de águas, o ponto de equilíbrio apaziguador necessário mas não modificador do clima desconfortável. Talvés agora, eu precisase de uma luz azul que me devolvesse o equilibrio perdido daquela tarde. Talvés naquele momento eu necessitasse abraçar uma arvore ou estar distante dali.

Soube que azul, é a cor do equilíbrio, da harmonia e da expansão espiritual. Tem efeito relaxante, traz paz e combate ao egoísmo, traz clareza mental. Afetivamente ligada à verdade, à intelectualidade, a viagens, serenidade, ao infinito e à meditação.

Vinte Dois

Vinte Dois é o apelido de um colega de trabalho e que durante uma vez por semana comparece nos departamentos para organizar e faxinar o ambiente. Disse-me que já está quase se aposentando, embora pareça ainda jovem. Mora no bairro Restinga e é orgulhoso de ter comprado sua casa no bairro e reformado com muito trabalho e persistencia. Demonstra ter uma relação familiar sólida e bem constituída. Fala o tempo todo com uma voz esganiçada e num volume acima do normal. Nunca soube a razão de seu apelido. Quando entrei para o serviço público ele limpava os corredores e salas e já era o Vinte Dois que falava alto, parecendo ansioso e atropelando pontos e virgulas nas frases que elaborava para se comunicar. Semana passada quando me reclamava irritado com a falta de aumento salarial no serviço e retirei de dentro da pasta um folheto explicativo da Associação sobre a promessa de um reajuste proposto para a categoria e lhe entreguei para que -se com calma, me justificou envergonhado que não sabia ler nem escrever. Percebi isto pelo tom de sua voz que se modificou visivelmente diante de mim. Mesmo assim guardou o panfleto no bolso e saiu agitado corredor a dentro. Fiquei pensando em quanto o analfabetismo ainda causava vergonha nas pessoas mas ainda assim, não as impulsionava a mudar esta condição. Tenho Vinte Dois como um lutador e ganhador de muitas lutas em sua vida. Lutas difíceis e que colocaria qualquer ser humano pra baixo, mas Vinte Dois superou todas com trabalho, dignidade e coragem. Só lhe faltou a coragem de enfrentar esta dificuldade numa sala de aula tornando-o ainda maior. Preciso lhe falar sobre isto!

Quando o silencio pede palavras. QUANDO O SILENCIO PEDE POR PALAVRAS.

Hoje falando com um amigo, fiquei pensando em como nos perdemos, nos frustramos, nos distanciamos daquilo que queremos por causa do silencio, pela falta de coragem, pelo medo de nos arriscarmos, de nos expormos e então sermos transparentes com os outros e conosco. Ficamos esperando um acontecimento magico que nos remeta ao que de mais profundo desejamos, deixamos que a vida teça suas tramas livremente e acreditamos que ela trabalhe incondicionalmente a nosso favor, sem que nos esforcemos a ajuda-la, colori-la, sem induzi-la a seguir nossas intuições, nossas regras do que acreditamos ser nossa felicidade. Esquecemos que ela trabalha livremente e a nós cabe preenche-la, largamos nossa vida, sonhos, felicidade, amor nas mãos do destino. Daí que tudo parece escapar das nossas mãos como ouro em pó, enquanto se caminha por um grande deserto, porque perdemos a coragem de assumir nossa luta pessoal. Perdemos ao destino obscuro e sem respostas. É quando percebemos que o silencio pede palavras que não foram ditas...

Paraíso tão perto

Sinto um jeito de interior, de simplicidade, um cheiro de mato, de ar modificado, beleza e liberdade quando passo por lá. Ontem quando fui ao hospital Vila Nova, fiquei admirando pela janela da ambulância toda a beleza de um cantinho de Porto Alegre que poucos conhecem ou sabem de sua existência. Em pouco mais de trinta minutos, é possível sair das turbulências de uma cidade grande e entrar num clima interiorana dentro da própria metrópoli.
Bairros como Belém Velho e Vila Nova assim como algumas estradas que cortam a zona sul, em direção a outros bairros são de extrema beleza. Quem tiver a oportunidade de passar por estes lugares ficará surpreso ao perceber tanta beleza natural que destoa do resto da capital. A praça no centro do bairro Belém Velho nos permite ter a sensação de estarmos numa cidadezinha do interior, com uma igreja simples, um pequeno cemitério e árvores centenárias a sua volta. A estrada Belém Velho que corta o bairro com curvas sinuosas ao pé do morro Teresópolis, lembra os passeios pela nossa serra gaúcha com propriedades rurais e extensos parreirais, alem de pontos como a La Pipa Nostra que comercializam cucas, geléias, sucos, rapaduras, vinhos e frutas das propriedades locais, na beira da estrada. Outro belo caminho é a das Três Meninas que é de chão batido na parte mais rural do bairro e possibilita acesso a outros lugares como Aberta dos Morros, Restinga, Belém Novo, Hípica, possui uma vegetação densa e grandes taquareiras, formando quase um túnel verde em determinadas épocas do ano, pode ser encontrados até lagartos e outros animais cruzando a estrada.

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TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...