Contemplo pela janela do meu quarto a noite de inverno chuvosa e fria, as persianas erguidas batendo ao comando do vento, o céu escuro formando sombras deformadas em movimentos compactos se indo na mesma trajetória desconhecida. Para onde vão estas nuvens? O que foi feito dos outros Invernos guardados em mim? Invernos medrosos, assombrados, mesclados de arrepios que viravam prazer de menino. Lembro-me da brasa no fogão à lenha, do sabor de bolo de milho e histórias de fantasmas que me faziam sentir calafrios e agora não mais sinto. Percebo que o inverno de hoje mudou de identidade, não é o mesmo da minha infância que me fazia esconder o rosto sob as cobertas pesadas e feito à mão. Onde está o cheiro e a luz do lampião à querosene, a foto de Marlene Dietrich colada na parede, o coaxar de sapos na rua, o pingar na telha de zinco, o vapor da boca formando desenhos na vidraça. Afinal para onde vão as nuvens antes de virarem agua... E eu para onde estou indo antes de virar pó?
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