Disseram-me que o carro saiu de sua pista, ultrapassou a contra-mão, vindo colidir de frente com outro veiculo estacionado sobre a calçada. Informaram-me também que o motorista havia desmaiado enquanto dirigia. Quando cheguei até o local do acidente, encontrei-o na calçada, sentado em uma cadeira de praia com o rosto ensanguentado, lucido, consciente do que lhe acontecera e amparado por familiares preocupados. Antes, não se lembrava, pois só acordou no momento em que batera o rosto contra o parabrisa do carro. Dentro da ambulancia, enquanto examinava-o e pedia-lhe informações pessoais para o preenchimento do protocólo de atendimento, segurou minha mão e perguntou meu nome, sorria sereno enquanto agradecia pelo atendimento que considerou competente e humanizado. Disse-me que não esqueceria meu nome e a forma como foi tratado. No hospital onde o levei para o atendimento final, antes de ir-me embora, chamou-me pelo nome e apertou minha mão agradecendo-me novamente. Quando voltei para casa, fiquei pensando nas palavras daquele homem que em alguns momentos me pareciam de certa forma exageradas de afeto e reconhecimento. Afinal, tudo me parecia incomum, não havia feito nada além daquilo que faço com os outros pacientes que atendo vitimados em acidentes. Lembrei-me inclusive que muitos nem olhavam para mim e quanto mais agradeciam, talves envolvidos em sua dor. Por outro lado pensei tambem que algumas vezes ligamos nosso piloto automatico e funcionamos no escuro, guiados somente pela engrenagem de nossas responsabilidades e deveres, sem perceber e darmo-nos conta de nossos atos, atitudes e posturas que se situam com dedicação ao trabalho e respeito diante de seres humanos como este. Enfim, considerei animador o seu reconhecimento e sua humildade para expor seus sentimentos e sua sensibilidade num momento dificil de sua vida.
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