Hoje acordei tão cedo que ainda era noite, mas aos poucos a claridade do dia começou a nascer sobre os altos morros de mata nativa, na distante pedra da Congonha que antes não conhecia. Aqui em Xerém, tudo parece ser diferente do resto do Rio, o Rio que se vê, o Rio que se imagina. Ritmos, hábitos das pessoas, clima. O churrasco carióca de ontem estava ótimo e proporcionou o encontro de novos amigos. Estranho estes hábitos tão diferentes, das pessoas simples e sorridentes deste lugar.

Hoje

Acordei cedo sentindo uma pequena brisa soprar sobre o meu corpo. Hoje é o dia da viagem e ainda não preparei minha bagagem. Folhas ainda verdes de mangericão estavam espalhadas sobre minha cama e no chão quando levantei. Lembrei-me de tê-las espalhado por todo o quarto antes de dormir. Motivo? Não sei. Mas o aroma que se fez no ambiente possibilitou-me um sono tranquilo e com cheiro de natureza. Voar sempre me desestabiliza até por o pé em terra firme. A voz de Ana Carolina está presa em minha cabeça desde ontem e acho que ficará até eu chegar a noite no Rio:
... Não dá pra ocultar.
Algo preso quer sair do meu olhar
Atravessar montanhas e te alcançar
Tocar o seu olhar
Te fazer enxergar e se enxergar em mim
Aqui...

Bangalô


Com alguma frequência passo em frente deste bangalô numa vila de Porto Alegre e fico admirando seus detalhes simples e de bom gosto. Feito todo de material de demolição no pé de um morro, percebo alguns detalhes inacabados. Algo nele, desperta em mim tímidas expectativas futuras. Instiga desejos perdidos mas ainda não amadurecidos. Fico apenas namorando-o enfeitiçado por sua delicadeza.

Férias

As manhãs tem sido calmas por aqui e acordo antes que a claridade me fira os olhos. A brisa entra pela janela da sala, do quarto, na area de serviço. De noite, o ensaio de uma chuva que não acontece, somente ralos pingos que logo desaparecem mas deixam essa pequena brisa até o outro dia que nasce. Existe um silencio neste clima, que acalma e repõe as energias dos dias anteriores quentes e abafados. Tenho planos de viagem que ainda não sairam dos planos. Devo motivar a ação. Iniciou meus raros dias de férias e ainda não sei onde ir, o que fazer...

O maior sorvete do mundo.

Magnólia sente dor, frio, cansaço, sangue escorrendo pela vagina. Músculos que se contraem e as vezes rasgam-lhe o peito em pequenas punhaladas que ferem mas não matam. Olheiras cavadas de quem dorme pouco, mas sonha muito. Acordada tem os olhos fechados. Brinca de cabra-cega ou roleta russa? Tem presságios que geram-lhe preocupação. Largas gargalhadas e ás vezes escasso sorriso. Desventuras, planos feitos, refeitos, desfeitos.
É possível brincar de viver, pular em nuvens, alçar voo?
O que está errado? Mostre-me o caminho possível. Mostre a vida real, a que não inventastes em sonhos.
Flocos brancos e densos cruzam pela janela em direção sul, laçaria um pedaço para te presentear no Natal. Derramaria molho de chocolate transformando-o num grande sorvete, o maior do mundo que eu pudesse te dar.

Lua cheia

Ontem a lua estava magnificamente grande e presa entre dois postes de alta tensão sobre o morro. Tinha uma cor clara sobre o céu ainda dia, que aos poucos foi se modificando para um amarelo forte e alterando sua posição quando caiu a noite. Da janela, Alba e eu ficamos adimirando-a até ela sair completamente do nosso campo de visão.

O baile à fantasias

Quando abri meus olhos eu estava no meio do salão onde sabidamente se daria o baile. A medida em que seus participantes chegavam, com seus trajes exóticos e expressão de alegria, percebi que se tratava de um baile à fantasias. Todos sorriam e falavam em vários idiomas do qual eu conseguia entender com facilidade. Movimentavam-se pelo grande espaço como se deslizassem sobre patins escondidos sob os longos vestidos e capas que arrastavam pelo chão espelhado. Musica, brilho, mistura de aromas me causavam curiosidade e estranheza.
_Isto não é um baile como aparenta ser, mas um encontro de cunho politico!_Disse-me Frida sorrindo e abraçando-me. _Viemos aqui restituir o que nos é de direito. Restabelecer contatos e avaliar intenções!
Olhei-a com surpresa enquanto continuava a falar:
_Minha casa está quase pronta e seus móveis serão de papelão por que tudo deve ser reciclado, inclusive eu. Aos cinquenta, tudo pode se transformar em papelão.
Frida girou elegantemente diante de mim, ensaiando uns passos de dança e então se afastou em direcção da janela alçando voo para o infinito.
Em seguida acordei-me assustado, deitado sobre a cama.

Transito

Os carros corriam frenéticamente pelas ruas da cidade, às vezes davam-me a sensação de que quase voavam. Geringonsas coloridas e de variados tamanhos. 
Todos pareciam ter presa de chegar em algum lugar e resolverem suas urgências. Se apertavam, se cruzavam, se trancavam, quase se batiam. Os condutores tinham caras amarradas, olhares obstinados de personagens de revista em quadrinhos e expressão de "poucos amigos. Heróis da pressa, armados de seus volantes poderosos e com muita pressa de chegarem ao seu destino.

Na paralela da grande avenida.

Tem dias em que eu acordo mais calado, mais observador, mais silencioso que nos outros dias. Atravesso as horas, como se andasse na paralela de uma grande avenida em que tudo acontece e fico ali, observando todos os seus detalhes, numa velocidade menor que o fluxo normal da vida. Indo na direção do encontro, mas nunca chegando ao abraço. Nestes momentos, não sinto tristeza, e nem minha alma ficar vazia. É como se a dinâmica das coisas mudasse, se descompassasse de seu ritmo comum. É algo que ainda não descobri o que é e porque acontece!

Frida

Talvez você seja uma espécie de Frida Kahlo que pinta a própria vida com poesia e cores surpreendentes e eu um ser errante, de caminhos embolados e sem rumo certo. 
Algumas pessoas fazem arte de sua vida e outros apenas apreciam. As vezes penso que faço parte dos que somente apreciam.

A Lenda do Urutau


Gosto de pássaros, particularmente de corujas pelo seu olhar misterioso e sua fama de passaro agorento. Mas um dia andando de carro numa estrada que fazia divisa com uma fazenda, no interior, vi um estranho pássaro pousado num tronco de uma cerca e nunca mais esqueci da sua exótica aparência. Estava quase anoitecendo e só consegui distingui-lo por pura sorte. Era um Urutau, passaro solitario, de hábitos noturnos e que dificilmente se deixa ver. Estava estático naquele tronco, como se fizesse parte dele e mantinha o pescoço esticado para o alto e os olhos fechados. Sua cor mesclada em tons de marrom, preto e cinza, permitia-lhe ser confundido com um tronco velho de arvore e passando quase desapercebido.
Interessado por sua história, fui pesquisar sobre ele. Em algumas regiões ele é conhecido por outro nome- Jurutaui na Amazônia, Ibijouguaçu entre os Tupis e Mãe da Lua para os Mineiros. Não constrói ninhos no periodo após acasalamento, pois deposita seus ovos nos orificuios e cavidades naturais das arvores. Seu grito se faz ouvir após o anoitecer como uma espécie de lamento triste e assustador. Para alguns parece semelhante ao clamoroso lamento de uma mulher, que termina com amortecidos e dramáticos ais.
Entre tantas lendas e mitos sobre o Urutau, selecionei esta, que achei das mais belas para postar aqui no blog:
Conta a lenda que uma bela moça Nheambiú, filha do Tuxaua da nação Guarani, se apaixonou profundamente por um bravo guerreiro Tupi chamado Cuimbaé, que havia sido feito prisioneiro pelos Guaranis. Nheambiú pediu aos seus pais que consentissem no seu casamento com Cuimbaé. Porém, esse e os posteriores pedidos foram terminantemente negados, com a alegação de que Cuimbaé era um Tupi, ou seja, um inimigo mortal dos Guaranis. Não suportando mais o sofrimento, Nheambiú desapareceu da Taba, causando um enorme alvoroço. O velho cacique mobilizou então todos os seus guerreiros para que procurassem, por todo o lado, a sua preciosa filha. Após uma longa busca, a jovem foi encontrada no coração da floresta, paralisada e muda, como uma estátua de pedra. Ao vê-la, o pai sacudiu-a, mas ela não deu nenhum sinal de vida. Então, o seu pai mandou chamar o feiticeiro da tribo, que a examinou dizendo o seguinte ao cacique: - Nheambiú perdeu a fala para sempre; só uma grande dor poderá fazer Nheambiú voltar ao que era. Então começaram por informar a jovem índia de todas as notícias mais tristes possíveis: a morte do seu pai e a de todos os seus amigos. No entanto, nada surtiu efeito. A jovem continuou inabalável e intacta. Então o pajé da tribo aproximou-se e disse: - Cuimbaé acaba de ser morto. Nesse mesmo instante, o corpo da jovem moça estremeceu todo e ela, soltando repetidos lamentos acabando por desaparecer da mata. Todos os que ali se encontravam, cheios de dor, acabaram transformados em árvores secas, enquanto Nheambiú se transformou num Urutau ficando a voar, noite após noite, pelos galhos daquelas árvores amigas, chorando a perda do seu grande amor.

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Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...