ENSAIO DE CORES.

Minha agenda está toda rabiscada de idéias, pensamentos soltos, sonhos que não transfiro para ela. As vezes mantenho-a aberta por vários dias aguardando respostas... Respostas que não encontro em mim.
Um dia tudo deixou de ter graça, as piadas, o sorriso das crianças, as peripécias dos filhotes, as cores da vida. Então comecei a exercitar minhas emoções com algumas pinceladas até recuperar tudo de volta, como era antes...

Grandezas

Meu tio queria que eu fosse grande naquilo que ele considerava ser grande. Com o tempo percebi que tínhamos noções de grandezas diferentes na vida . Por um longo tempo essas diferenças nos afastou e então rompemos relações. Só descobri mais tarde quando já não era possível retomar o tempo perdido e estagnar a doença que o levou em poucos meses. Hoje tento ter cuidado com as pessoas que convivo para não reincidir no mesmo erro.

Engrenagem

Quando meu amigo partiu, lembrei o quanto tudo por aqui é provisório. Que partimos sem concluir aquilo que pensamos a que viemos. Deixamos lacunas a serem confiadas e preenchidas por outros que jamais conheceremos, por que partimos antes, sem prévio aviso, sem termos a chance de despedirmo-nos de nós mesmos. Incompletos, naquilo que achamos ser nossa missão, nossos sonhos de realizações, nossa felicidade. Viveremos na memória dos outros, de quem quiser lembrar e um dia também desapareceremos no esquecimento, pela engrenagem da vida, pela substituição que se faz necessária a cada dia que nasce e que morre. Sem culpas, sem responsáveis, apenas regras da vida.

auto confiança?

Meu sobrinho João Victor é distraido. Cruza as ruas para buscar a bola sem olhar para os lados numa confiança cega. Acho que um dia também já fui assim. Hoje fico esperando quem vai me buscar, me estender as mãos para que eu atravesse a rua fora da faixa de segurança com o sinal vermelho aberto e os olhos bem fechados. Quando desconfio da sorte, aguardo o sinal ficar verde e olho para todos os lados!

Magia do céu...

Não lembro de noites tão frias como as deste inverno, talvez tenha tido. Certa manhã, nevou em Viamão. Lembro-me de minha mãe chamando eu e minha irmã para ver os pequenos flocos de algodão gelado caírem do céu magicamente.

As cegonhas...


As cegonhas flutuavam sobre o extenso lago por onde eu passei. Silenciosas, como se fossem de papel. Lembrei que acreditava ter sido trazido ao mundo por uma delas, por encomenda de minha mãe. Tinha duvidas se elas poderiam suportar meu peso enquanto atravessavam as nuvens comigo pendurado a o seu bico rosa.

Cinara...

Tratava Cinara como se fosse filha, embora não fosse. Queria talvez ser o pai que não tive. Eu escolhia suas roupas, seus amigos e até o modo de ver a vida. Em troca, ela matava as aranhas do qual eu tinha medo. Cinara cresceu e brigou por sua liberdade, eu então, perdi o medo de aranhas.

Geovana

Geovana tem os cabelos negros e longos e o rosto que parece o de Justine. Traços de uma bela mulher que sofreu mas não perdeu a doçura, a sensibilidade, a sublime alegria de viver. Justine procurava seu amado filho, perdido, desaparecido, que talvez nunca existiu.

Antiga cicatriz...

Dick adorava os churrascos de fim de semana que meu pai promovia. Ficava na espreita mostrando-se pela metade. O corpo escondido no porão e o nariz úmido, pra fora, controlando a deliciosa fumaça que se espalhava pelo corredor até a rua. Um dia ele não aguentou a tentação e arrastou metade do churrasco da grelha para o seu esconderijo. Meu pai ficou furioso. Esperou-o com paciencia até ele saciar-se, aqueceu um pedaço de osso na brasa e quando estava bem quente chamou-o oferecendo o premio preso nas garras de um alicate.
Dick então aproximo-se tímido e meu pai encostou o osso em brasa em seu focinho preto, enquanto segurava-o pela coleira. Dick gritou e chorou o dia e a note toda, depois desapareceu por quase um mes. Quando reapareceu no pátio, tinha uma ferida vermelha que com o passar do tempo ficou branca. Nuca mais vigiou os churrascos de meu pai e eu tambem não mais os comi.

Rua 9

Na rua Nove, perto do colégio Ibá, o cachorro me olhava por cima do muro, que antes sentei. Silencioso, olhar sereno de amigo, quase humanos.
Agora, moram nesta casa outras pessoas que não conheço. O cachorro também não mais o mesmo!

Vinculos do passado

Atendi hoje pela manhã uma senhora negra de setenta e nove anos, que se queixava entre tantas outras de dor no peito. Enquanto eu a examina e verificava seus sinais vitais, observava atentamente sua expressão de inocência, sob os cabelos brancos, sua delicadeza de gestos, fragilidade e meiguise.
Observei também sua casa simples enfeitada com guardanapos de crochê, cortinas de bambu e folhagem vistosas no canto da sala.
Uma foto na parede, mostrava seu rosto jovem e sem rugas, expressão de alegria e orgulho na flor de seus vinte e cinco anos. Quando perguntei se a foto era dela, me respondeu angustiada:
-Sim era eu, quando era gente!
-Mas a senhora ainda é gente!- Respondi prontamente.
-Minha familia, sempre foi assim nota vinte, bonita!- Me falou orgulhosa enquanto passava o pente em seus cabelos desalinhados. Depois apoiou-se em meu braço e seguiu até rua para que eu a conduzisse até a ambulância. Não sei por que tudo me parecia tão familiar. Seu rosto, sua casa, seus pertences, que fiquei a procura de vínculos perdidos em suas palavras, nas paredes de sua casa manchadas de mofo, seus bibelôs antigos
, seus objetos e vontade de qualquer dia visita-la como um simples amigo.

Postagem em destaque

TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...