Violências

Inacreditável!... Mas muito mais louco do que os pesadelos que algumas vezes tenho e me fazem acordar assustado e sem entender e que posto neste blog como registro de minha vida, são as loucuras da qual me deparo no dia a dia deixando-me boquiaberto e sem entender de fato. Violências com mortes, assaltos, pobreza, sequestros, parecem ser já coisas corriqueiras quando abro o jornal ou ligo a televisão e tem aquele aspecto de irreal, de ficção, mas quando me deparo frente a frente com elas, com suas vitimas ou quando sou a própria vítima, a coisa toda muda de figura me causando desconforto e revolta por não entender os "por ques" de tudo isto. Mas a violência tem muitos braços, muitas faces e se bobear muda de nome, altera conceitos, explana justificativas plausíveis aos ouvidos de uma sociedade dita politicamente correta. A violência muitas vezes vem fantasia de agressões menores, omissão, desqualificação e tantos outros disfarces.
Ontem recebi a missão de atender um homem em seu domicilio, com dificuldade respiratória, inconsciente e com um histórico de ser portador do vírus HIV. Quando chegamos em sua moradia, que era literalmente um deposito de lixo, pois havia sujeira por todo o lugar que se olhasse inclusive o sofá do qual fazia de leito, me surpreendi com seu estado de degradação. Estava urinado, emagrecido, com uma respiração que passava dos vinte e seis movimentos por minuto, taquicardico, com batimentos cardíacos acima de 150, com a pressão baixissima 80/40, uma concentração de oxigênio no sangue em torno de 58%, quando o nível de normalidade começa a partir de 94, 95% e para finalizar: Inconsciente. Quero deixar claro que inconsciência em nosso trabalho é motivo para se chamar o médico no local afim de dar um suporte profissional maior a quem precisa e foi que fiz. Como resposta recebi a orientação de instalar oxigênio e solução fisiológica e deslocar para o hospital onde o paciente fazia acompanhamento médico a uns quarenta quilômetros de onde estávamos. As orientações foram cumpridas a risca e mesmo assim, o paciente ainda respirava mal e com uma concentração de oxigênio em níveis baixissimos, 82,83%, taquicardico e inconsciente, informação que repassei via rádio sem nenhuma resposta. No caminho do hospital, mais um desconforto, a ambulância apresentou problemas e não andava além de 40 km por hora, avisamos via radio e a resposta do médico foi que se ela parasse então mandariam uma outra. Quanto a o desfecho de tudo isto, o paciente chegou vivo sim em seu destino, embora corresse o risco de ser diferente. Fiquei pensando enquanto retornava para uma nova missão sobre tudo que havia acontecido. Contar a história pessoal deste paciente, com 28 anos, papeleiro, usuário de craque, pai de dois filhos também drogados, portador do vírus HIV e uma esposa que me confidenciou também estar contaminada e vivendo em total miséria é tornar-me repetitivo. É contar uma história já muitas vezes ouvida e talvez ninguém mais tenha saco para isto. A surpresa de tudo isto que estou contando e que me deixou revoltado, foi a falta de compromisso profissional e desrespeito com que este médico tratou a mim e conduziu o paciente, ignorando meu pedido de apoio necessário no local. Desrespeitando a vida do paciente e a mim que estou habilitado a avaliar um situação de risco e solicitar sua presença quando for necessário. Senti que a sua vaidade o impedia de fazer o que eu estava solicitando em prol de uma vida. Que seu preconceito com relação aos profissionais que atuam na linha de frente é maior que o compromisso óbvio que assumiu como médico e que sua arrogância é geradora de uma violência que talvez nem ele próprio tenha consciência. Que talvez seja vítima de si mesmo e que suas atitudes desrespeitosos o torna menos respeitado por nós ínfimos lutadores da linha de frente. Sua conduta é merecedora de aplausos, obviamente dele para si mesmo.

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