DA GIRA

Uma reza.
Uma oração.
Uma canção.
Despeja tanta emoção.
Bate em meu coração.
Saia rodada.
Perfumada.
Transfigurada.
Bonita.
Transita.
Incita.
Dança como se não dançasse pra ninguém.
Colar de contas. 
Temperado com cachaça e dendê.
Não posso morrer.
Tenho que viver para ter
neste ilê


"Numa tarde, quando eu vi pombas Giras voando, girando, dançando."

ACALANTO.

Deita
O sono já chega
E o corpo cansado
Quer se aconchegar

Dorme
A noite é tão pouca
E o dia já volta
Pra te despertar

Lia, cozinheira e babá
Rita faz amor pra viver
Clara que trabalha por dois
Nina que nem sabe o que fazer

Se amanhece o sonho se vai
Mais um dia pra se viver
Vidas que o destino constrói
Ilusões que o tempo vai varrer

Nina sonha já ser mulher
Rita quer um vestido de outra cor
Clara sonha um tempo de paz
Lia quer sonhar com seu amor

Dorme
Que amanhã é tempo
De recomeçar


Esta musica de Mario Gil, interpretada por Monica Salmaso é uma das coisas mais bonitas que já ouvi nos últimos tempos. Linda, linda. feminina, sensível.

CANÇÃO V

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada no entendimento de tua mãe e irmã.
A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido.
E o que tu dizes nem pode ser cantado porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor

Hilda Hist./ Zeca Baleiro.

CALIFÓRNIA DAQUI.

Califórnia daqui, underground.
Usa o skate de tapete.
 De manhã milk shake.

Revigora.
Se isola.
Ignora.
Às vezes aparece,
Tocando viola.
Olhos de mau,
Radical,
Não intencional.

Olhos rasgados.
Puxados por um risco atravessado,
Desenhado.

Tesoura na mão.
Cabelos no chão.
Transformação.

Tufo dourado na cabeça.
Coroa com certa estranheza,
Diferente beleza,
Uma certa tristeza.
Flecha veloz nas plataformas de rua,
Nos corrimões,
No concreto armado,
Descolado,
Arremessado.

Não sofre nenhum arranhão.
Presta a atenção.
Apenas a sensação,
Que tem o mundo nas mãos.



TRUNCA


Sempre que repetia os erros, 
Sentia que melhorava.
Então não rebatia,
Não refletia,
 Só insistia na rebeldia.
Persistia nos erros, até chegar aos acertos,
Mesmo com alguns defeitos
E assim fazia a maquina funcionar,
Truncar,
Incendiar,
Ate tudo se ajeitar,
Se arrumar.
Mordia os lábios ate sangrar,
Depois voltava a teimar.


FERIADO NACIONAL

Quando levantou da cama, ao amanhecer, o dia parecia sombrio. O sol pouco evidente, espalhava seus filetes de luz, por entre as arvores, na rua ainda deserta de gente e sem automóveis barulhentos.
Não sabia ao certo, o motivo daquela sua primeira impressão, mas percebeu folhas avermelhadas, nos galhos de pitangueiras e um gato branco, sentado num muro grafitado.
O dia, particularmente aquela manhã, lhe parecia mais lenta que o normal. Nada intencional, mas com aquela cara de feriado nacional.

SANGUE NAS VEIAS.

As veias das mãos e dos braços, turgiam quando ele fazia alguma força, ou movimentava o volante do Cadillac azul para leva-la a passear.
Ela observava-o perfumada, no banco de traz, com discrição e controle de seus impulsos, para não tocar com a ponta dos dedo aquelas mãos e braços e sentir a intensidade com que o sangue corria dentro delas, quente e vermelho.
Haveria muito mais a ser percebido sobre seus  secretos sentidos, não fosse esconder os olhos, que se perdiam na direção da rua, um tanto envergonhados, olhando a paisagem passar.

O GRANDE URSO CHAMADO NITAMARA

Certa noite, uma mulher, engoliu um grande urso. Sem saber ao certo se era sonho ou fantasia da sua imaginação, tentou esquecer daquele fato bizarro e levar a sua vida normal, ate que percebeu, que com o passar do tempo, foi adquirindo certos hábitos e desejos que lhe despertavam uma força, que jamais tivera antes.
Às vezes lembrava em rápidos lampejos, daquilo que parecia um sonho incomum, mas sonhos eram apenas sonhos, porque desperta-los?..
Mas o grande urso engolido, usando de sua inteligencia e força, disfarçado no corpo de tão frágil mulher, decidiu despertar e caçar alguns homens que estavam perdidos na floresta das sombras. 
Juntou-os num mesmo lugar, livres e sem trancas e lhes deu um espaço onde pudessem criar, reconhecer suas almas e assim expulsar seus próprios demônios.
E esses homens então, ainda tímidos, desconfiados, começaram a cantar e a tocar chocalhos como índios, a dançarem em círculos feito galinhas, a declamarem  poesias como Castro Alves, nos seus manifestos abolicionistas.
O que parecia uma desordem, virou uma festa, uma reflexão, uma contestação, uma revolução.
Tambores e cânticos eram ouvidos a uma longa distancia, por outros homens que se aproximavam curiosos.
Há de se pensar nestes homens resgatados, como uma provação e na floresta das sombras como uma prisão e o urso a libertação.
A frágil mulher, talvez desconhecesse que seu nome Nita, que lhe fora dado ao nascer, significava grande urso e Mara, desordem, guerra, revolução.

Este texto é uma homenagem a uma das incentivadoras da cultura em Viamão. Niltamara. Nita: Significa grande urso. Mara: guerra, desordem, revolução.

CANTIGA DE NINAR.


Solidão era uma poeira leve, que lhe cobria a cara. E quando o mundo girava, jogava em seu colo pedaços irregulares de sofrimentos, que adormeciam em seus braços, feito crianças frágeis e abandonadas.
Às vezes seu olhar se distanciava para as mais profundas incertezas. Mas o mundo lhe confidenciava segredos, com a mesma brutalidade que lhe arrancava pedaços. 


AS TRAPASSAS DA MORTE.

A morte observava-o a vários meses, mantendo um discreto sigilo. Vigiava tudo o que ele fazia, seguia seus passos, lia seus pensamentos e às vezes até deitava do seu lado, quando chegava do trabalho  e se jogava na cama morto de cansado .
Pensava em levá-lo mesmo sem qualquer justificativa e gozando de boa saúde.
Mas aquela espinha que lhe sairá no rosto, na semana passada, talvez rendesse um bom motivo...

NO TEMPO DAS EXPECTATIVAS.

O olhar dela para ele, não era só de admiração, mas de uma grande expectativa e de um possível namoro promissor, com fantásticas experiencias inovadoras a serem descobertas juntos.
Sempre que podia, corria ao seu encontro, disponibilizando tempo e atenção.
O olhar dele era fugitivo e rebatia em paredes vazias, como quem tinha dúvidas se seguia em frente numa aventura de pouco interesse e futuro incerto.
Ela imaginava horas e horas de papo cabeça sobre os lençóis úmidos pelo entardecer da madrugada. 
Ele queria apenas ficar sozinho e comer bergamotas ao Sol do outro dia.

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TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...