Fantasma


De repente eu corria pelas ruas sob um longo lençol branco enrolado em meu corpo. Corria contra o vento, numa estação que parecia outono, por lugares onde nunca tinha estado antes, mas que achava familiar. A medida que eu corria, o lençol se enganchava em arvores e objetos e se rasgava e muitos pedaços. Em certo momento percebi que estava nú, porque sentia muito frio.
Então encontrei uma casa de porta aberta onde entrei e avistei minha avó sentada em uma cadeira conversando com um garoto que parecia ser eu, aos dez anos de idade. Não conseguia ouvir o que me dizia, mas sabia que era alguma coisa boa. Então entrou uma mulher de cabelos crespos, bolsa a tira colo e fala macia dizendo aos que estavam ali presente:
-Coisas, situações!..
Atravessei a sala, a casa, entre eles, sem que notassem minha presença, até o fundo do quintal. Encontrei minha mãe à beira de um tanque lavando roupas. Olhar cansado e suor escorrendo das têmporas. Batia as roupas molhadas na tábua de esfregar com muita força e uma espécie de mágoa e resignação no olhar. Quando me viu sorriu sem graça.
Então, corri pra ela, agarrando suas pernas, tentando entrar em baixo do seu vestido, forçando minha cabeça entre suas pernas como se quisesse entrar por onde tinha saído, desesperado, assustado.
Ela, me empurrava contra, tentando impedir-me que continuasse aquela atitude descabida e sem sentido. Perguntava-me entre gritos e esforço físico para que eu não tomasse tal atitude:
-Para!..Para!..Tu és feliz?
Então acordei-me tentando descobrir de onde vinham aqueles gritos, percebendo que era um sonho, mais que isto, eu era um fantasma invadindo meu próprio passado.
Respirei fundo e tentei colar os pedaços deste sonho tão real.

Quem sou:

Fiquei assim, por horas, pensando em quem eu sou na verdade.
O que penso ser?
O que pensam que sou?
A mistura dos dois?
Ou o resultado da subtração sutil de todas essas supostas verdades?
Nem bem verdade, nem bem mentira
Nem isto, nem aquilo.

HOMENAGEM AO AMIGO


E se eu cair assim como folha amarela e morta da arvore alta deste meu mundo, serei arrastado pelo vento forte dos meus outonos. Dos meus muitos saudosos e amados outonos.
Serei lambido deliciosamente pelo vento para rumos incertos, de olhos fechados sobre nuvens brancas, braços e pernas estendidas e meu corpo em movimentos circulares, perpendiculares, transversais, atravessará as estações desta vida, ignorando o tempo, rumo ao que acredito ser a liberdade. Então liberto, poderei oferecer minha mão de encontro a tua, firme e densa para onde me quiseres carregar.
De lá ouviremos a ópera, aquela Ópera do Malandro. Beberemos vinho até cair, dançaremos Edith Piaf e cantaremos Beatles até nos esquecerem.


Para meu amigo Hélio
*09/03/1958
+05/05/2008


Saudades!

Sinto saudades.
Vivo sentindo saudades de quase tudo em minha vida.
Amigos, musicas que ouvi fermentando meus sonhos, filmes que assisti, situações que me deram prazer, outras que causaram angustia, beijos, minha infância, minha adolescência, amigos que se foram, pessoas que nunca mais vi, retratos de familia, de viagens e até de coisas que ainda não vivenciei por falta de oportunidade ou por que deixei passar.
Quando recebi de uma amiga um poema de Clarisse Lispector que relata este sentimento, senti suas palavras as minhas.
Saudades,... acho que é bom senti-la de forma saudavel mesmo com aquelas pitadinhas de tristeza!


ME TA DE

Quando eu andava assim sem rumo e sem esperança, me sentido menor, vagava pela casa a procura de meus pedaços.
Ouvi então esta canção de Adriana Calcanhoto que coube exatamente naquele momento de minha vida em que me sentia pequeno, pela metade.


"Eu perco o chão, eu não acho as palavras.
Eu ando tão triste, eu ando pela sala
.
Eu perco a hora, eu chego no fim.

Eu deixo a porta aberta
Eu não moro mais em mim.

Eu perco as chaves de casa
Eu perco o freio
Estou em milhares de cacos, eu estou ao meio
.
Onde será que você está agora?"

Vambora

Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Prá mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva...

Ainda tem o seu perfume
Pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara?
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite veloz...

Ainda tem o seu perfume
Pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara?
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Na cinza das horas...
A noite veio lenta e desigual as outras noites.Veio para sincronizar idéias, pensamentos soltos. Conquistar desejos, sonhos, furtando-me o sono, o raciocínio, a lógica. Desencadear vertigem!
Quisera eu ser teu sonho, teu antídoto contra angustia, a estrada para tua libertação. Tomara pudesse, não sofrer deste teu mesmo mal!


Ando por aí, navegando nestes mares.
Mares onde navegam doçuras,
onde maçãs vermelhas e mordidas flutuam soltas,
Sem bússola,
Em tua,
em minha direção.
Na direção dos ventos,
Contra a maré.
Onde sinalizas.

Meu convite para Voce

Quero levar-te pra dentro de mim, numa condução lenta para que percebas meus detalhes, minhas cores, minhas entranhas.
Emulsão de carne, ossos, sangue, cores vivas e sombras.
Tenho guardado em mim meu melhor e meu pior, a natureza das selvas, as tonturas dos abismos, a resistência dos cipós, transformados em alma.

Para quem ainda vier a me amar

Quero dizer que te amo só de amor. Sem idéias, palavras, pensamentos. Quero dizer que te amo só de amor. Com sentimentos, sentidos, emoções. Quero curtir que te amo só de amor. Olho no olho, cara a cara, corpo a corpo.
Quero querer que te amo só de amor.
São sombras as palavras no papel. Claro-escuros projetados pelo amor, dos delírios e dos mistérios do prazer. apenas sombras as palavras no papel.
Meu amor te escrevo feito um poema de carne, sangue, nervos e sêmen. São versos que pulsam, gemem e fecundam.
Meu poema se encanta feito o amor dos bichos livres às urgências dos cios e que jogam, brincam, cantam e dançam fazendo o amor como faço o poema.
Quero da vida as claras superfícies onde terminam e começam meus amores. Eu te sinto na pele, não no coração.
Quero do amor as tenras superfícies onde a vida é lírica, porque telúrica, onde sou épico porque ébrio e lúbrico.
Quero genitais todas as nossas superfícies.
Não há limites para o prazer, meu grande amor, mas virá sempre antes, não depois da excitação.
Meu grande amor, o infinito é um recomeço. Não há limites para se viver um grande amor.
Mas só te amo porque me das o gozo e não gozo mais porque eu te amo.
Não há limites para o fim de um grande amor.
Nossa nudez, juntos, não se completa nunca, mesmo quando se tornam quentes e congestionadas, umidas, latentes todas as mucosas. A nudez a dois não acontece nunca, porque nos vestimos um do corpo do outro, para inventar deuses na solidão de nós. Por isso a nudez, no amor, não satisfaz nunca.
Porque eu te amo, tu não precisas de mim.
Porque tu me amas, eu não preciso de ti.
No amor jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.
O amor é tanto, não quanto.
Amar é enquanto, portanto. Ponto.

Roberto Freire

O meu Sim


E eu quisera ser só seu
Quando o mundo era menor
E hoje eu sei
Que sou mais eu
Prá melhor ou prá pior

E eu vou seguindo
Alguns sinais
Que primeiro eu inverti
Mas quando eu puder olhar prá trás
Você vai brilhar ali

Perigo na esquina
Proibido parar
Antes de chegar a mim
Minha vida absurda
E a terra a girar
Quem escuta o meu sim?
Quem escuta o meu sim...

Quem sabe um dia
Eu lhe descrevo
Estes círculos que penso
Ao navegar por certos trevos
Em que os sonhos são mais densos

E às vezes alta madrugada
Ficam dúvidas com tudo
Quem sabe o fim não seja nada
E a estrada seja tudo

Perigo na curva
Proibido parar
Antes de chegar a mim
Minha vida absurda
E a terra a girar
Quem escuta o meu sim?
Quem escuta o meu sim...

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Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...