PANDORA E GIRALTO

Te levanta, abre a porta.
Nada aqui nos conforta.
Nada ilumina ou da cor ao teu olhar , nem ao meu.
O que te prende aqui, não sou eu.
Acenda a luz por favor.
Já é tarde, ainda não amanheceu.
A casa está vazia e só reflete sombras. 
Só falta nós abrirmos a porta e sairmos sem alardes.
Os outros já se foram.
Nosso tempo se esgota, nos derrota.
Te levanta, abre a porta, acenda a luz.
Transportemo-nos para além deste sofá vermelho e das paredes cinzas.
Talvez num outro lugar, encontremos guarida entre alamedas floridas.
Há nas Dálias, Rosas, Lírios, Hortênsias, partes de nós, esparramados entre raízes que brotam no meio das pedras, na mata, nos rios, nos caminho das estradas altas da serra de outro mundo.
A luz virá natural, como um eclipse, numa noite de Natal.
Te levanta, abre a porta.
Vem.
Quem sabe partir, seja o nosso presente.
Nos alimentaremos de luz e néctar.
Passearemos de mãos dadas.
Tu Pandora e eu Giralto.

RACIOCÍNIO COMPLEXO


É preciso paciência para entender este raciocínio complexo:
O que se perde é o que se ganha. 
O que parece menos é mais. 
E o profundo é tão raso, que podemos atravessar a pé,
sem medo de nos afogarmos.

VENUSTO.

Não, eu não sei falar bonito ou dar grandes opiniões. Não sei lidar com as palavras, assim como muitas mulheres daqui, que passam a maior parte da vida, na beira do riacho lavando, ou na frente do fogão cozinhando.
Só sei, é que perto da hora em que tu chegas do trabalho, cansado, preparo o que aprendi de minha avó, que também ensinou minha mãe, sem muitas palavras.
Corto as cebolas que tenho, esmago todas as cabeças de alho que perfumam a casa, quebro os galhos de alecrins, louros e outras ervas que colho do mundo e jogo no cozido,  alvoroçando toda a vizinhança.
Sirvo-te em silêncio, com arroz soltinho, na mesa arrumada sem assuntar, por que não tenho palavras bonitas e de grande importância pra dizer.

QUE NÓ É ESTE.

Que nó é este, 
Que não se desfaz.
Que tanto aperta,
E se refaz.

Que me tira o sono,
Que me desperta
Que me completa
E me repleta.

E de repente me esvazia 
A qualquer hora do dia.
E não estia.
Me fatia.

E dá uma dor, 
Uma nostalgia,
de certas coisas que eu nem sabia

Que nó é este
Que me sufoca,
Desaparece e logo volta.
Retorna com tanta energia
E me desafia.

SABIÁ.

Sabiá que canta,
que me transplanta do sono,
que me desperta antes da luz clarear,
do dia chegar.

Sabiá escondido, no arvoredo,
o gato malvado quer te pegar.
Atrevido,
exibido,
não para de cantar e
querer me fazer acordar,
me levantar,
me preparar,
para ir trabalhar.

CONVITE FEITO

Apenas uma mensagem
e tua curiosidade se acendeu. 
Respondeu.
Apareceu.
Veio ao meu encontro todo molhado.
Cansado.
Desconfiado.
Sabendo que deveria ficar.
Arriscar.
Ficou. 
Tentar o que nunca tinha feito. 
Se embaraçar. 
Se questionar
Até chorar.
Correr o risco.
Feito corisco
Se mostrar.
Sem se anunciar.

DA GIRA

Uma reza.
Uma oração.
Uma canção.
Despeja tanta emoção.
Bate em meu coração.
Saia rodada.
Perfumada.
Transfigurada.
Bonita.
Transita.
Incita.
Dança como se não dançasse pra ninguém.
Colar de contas. 
Temperado com cachaça e dendê.
Não posso morrer.
Tenho que viver para ter
neste ilê


"Numa tarde, quando eu vi pombas Giras voando, girando, dançando."

ACALANTO.

Deita
O sono já chega
E o corpo cansado
Quer se aconchegar

Dorme
A noite é tão pouca
E o dia já volta
Pra te despertar

Lia, cozinheira e babá
Rita faz amor pra viver
Clara que trabalha por dois
Nina que nem sabe o que fazer

Se amanhece o sonho se vai
Mais um dia pra se viver
Vidas que o destino constrói
Ilusões que o tempo vai varrer

Nina sonha já ser mulher
Rita quer um vestido de outra cor
Clara sonha um tempo de paz
Lia quer sonhar com seu amor

Dorme
Que amanhã é tempo
De recomeçar


Esta musica de Mario Gil, interpretada por Monica Salmaso é uma das coisas mais bonitas que já ouvi nos últimos tempos. Linda, linda. feminina, sensível.

CANÇÃO V

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada no entendimento de tua mãe e irmã.
A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido.
E o que tu dizes nem pode ser cantado porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor

Hilda Hist./ Zeca Baleiro.

CALIFÓRNIA DAQUI.

Califórnia daqui, underground.
Usa o skate de tapete.
 De manhã milk shake.

Revigora.
Se isola.
Ignora.
Às vezes aparece,
Tocando viola.
Olhos de mau,
Radical,
Não intencional.

Olhos rasgados.
Puxados por um risco atravessado,
Desenhado.

Tesoura na mão.
Cabelos no chão.
Transformação.

Tufo dourado na cabeça.
Coroa com certa estranheza,
Diferente beleza,
Uma certa tristeza.
Flecha veloz nas plataformas de rua,
Nos corrimões,
No concreto armado,
Descolado,
Arremessado.

Não sofre nenhum arranhão.
Presta a atenção.
Apenas a sensação,
Que tem o mundo nas mãos.



TRUNCA


Sempre que repetia os erros, 
Sentia que melhorava.
Então não rebatia,
Não refletia,
 Só insistia na rebeldia.
Persistia nos erros, até chegar aos acertos,
Mesmo com alguns defeitos
E assim fazia a maquina funcionar,
Truncar,
Incendiar,
Ate tudo se ajeitar,
Se arrumar.
Mordia os lábios ate sangrar,
Depois voltava a teimar.


Postagem em destaque

TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...