Conjugar o verbo morrer

Eu sei, tu sabes e acho que todo mundo sabe que um dia iremos morrer embora seja difícil conjugar este verbo no "nosso tempo" e de que forma acontecerá. Abandonaremos esta carcaça velha e partiremos para algum lugar com nossa alma, espírito ou sei lá como chamar, intacto, jovem, como se nenhuma alteração tivesse sofrido com o decorrer do tempo, ao contrario do nosso corpo que vem perecendo dia após dia. Mas fico pensando também, que se depois de mortos, não tivermos mais esta consciência dos dias em que vivemos por aqui, na terra, perderemos toda a referência, as lembranças boas e más, os amores, os amigos e aí que graça tem?... É como ganhar o prêmio Nobel sem nunca sabermos que ganhamos, ser reconhecido por algo somente depois de morto, como os pintores do século passado que nunca souberam que viraram gênios de suas obras. Será que o premio final é isto, a inconciência de tudo que somos e que vivemos? Ontem à noite quando atendi um homem atropelado na avenida e percebi que não havia mais vida naquele corpo, jogado sobre uma poça de sangue e que uma de suas pernas fora amputada e arremessada do outro lado da calçada, percebi também a fragilidade das coisas e a rapidez com que se transformam em outras. Ali estirado, não parecia ser gente, era um pedaço de carne ensanguentada e imóvel. Cobri seu corpo com um lençol e afastei-me repetindo pra mim mesmo que era um homem e que talvés nem percebera que havia chegado a sua hora.

De mãos dadas

Vi na rua uma idosa com a expressão preocupada segurando a mão de um menino que carregava uma bola. Ele tinha o olhar inocente e perdido. Esta cena comum fez-me lembrar de minha avó que dizia proteger-me do mundo e das maldades da vida. Hoje eu sei que ela protegia-me inclusive de mim mesmo.

Nova esperança

Por vezes sonho acordado e estes sonhos são tão reais que fazem-me acreditar que não me levarão às margens das impossibilidades, daquilo que minha mão não alcançará por estar além do seu alcance. Mas sei que são desejos que me absorve a alma, agita meus hormônios, meu sangue na perspectiva de um novo caminho. O dia também se fez novo por aqui, iluminado com o nascimento do sol e pássaros cantando na minha janela. Esta sinfonia não deve ser em vão. Daí veio então esta canção na lembrança, que ouvi algum tempo, na voz de Elis, enquanto eu abria a janela:

"Nova esperança, bate coração, renascer cada dia como a luz da manhã. Despertar sem medo, enganar a dor. Disfarçar essa mágoa que anda solta no ar...

Ter que acreditar no regresso da estação, como o sol volta a brilhar, como as chuvas de verão. Ter que acreditar só pra ter razão. De sonhar mais uma vez...

Nova esperança, bate coração, Renascer cada dia como a luz da manhã. Semear a terra, certo de colher, da semente o fruto, depois descansar..."


A visita inesperada

Margarita chegou em minha casa depois que toda a visita já tinha ido embora. Tinha o olhar da desconfiança e os movimentos cuidadosos de quem procurava pistas incriminadoras, de quem é vítima de fantasmas que criou a cerca de minha vida. As vezes penso que minha alegria é sua tristeza, que minha liberdade sua prisão. Margarita é boa gente, mas não se liberta destes fantasmas que a aprisionam-na e que talvez nunca se livre em minha companhia.

Sim, não

Wladmir e eu voltávamos de algum lugar que agora não lembro, mas sei que chovia muito e eu podia ouvir o ruído dos pneus dos carros esmagarem as possas d'água sobre o asfalto negro da avenida Ipiranga. Luzes e faróis se refletiam no chão molhado e multiplicavam imagens indecifráveis e o vento com chuva fina batia-me no rosto enquanto eu contava em silencio os postes que iluminavam o inicio da noite sobre as calçadas. Então me bateu um sentimento de esvaziamento interior, (aquela) vontade louca de parar sem olhar para os lados. Parar com tudo em que me envolvi nesta nova fase de vida e que agora já acho velha, porque houve desgaste, porque virou rotina, uma ressaca de uma embriaguez que foi gostosa mas que pouco a pouco tem causado um mal estar crescente. Simplesmente bater a porta e sair andando sem também olhar para traz, decidido. Debulhar a vida, devolver-me a sensação agradável do que realmente vale a pena e ir para algum lugar em busca disto.

Repensando

A morte do astro Michel Jackson, o infarto do meu colega de quarenta e cinco anos, internado na UTI e o comentario do Nilson na janela da ambulancia enquanto partíamos apresados para um novo atendimento,... (_É, a gente precisa ter uma vida melhor e se preparar para uma velhice digna!) me fez parar e pensar em como realmente estamos despreparados para surpresas como estas em nossas vidas!...

Cantorias e cabernet sauvignon

Hoje é Sábado e então brotou-me até uma pequena indignação quando cheguei em casa do trabalho e percebi que não havia programado nada para esta noite. Os poucos telefones que tentei quando me dei por conta, diziam com aquele voz eletronica e me irritavam profundamente:
_Este telefone está desligado ou fora da área de cobertura, pôr favor, tente mais tarde!.. _Este telefone não está programado para receber ligações!.. _Não foi possível completar sua ligação, tente mais tarde!..
Pareciam estarem todos eletronicamente 'configurados' contra meus planos de sair. Na verdade não sabia exatamente o que gostaria de fazer mas... Sobrou-me então uma garrafa de cabernet sauvignon guardada no armário e as cantorias de Vital Farias para que eu me (desconfigurasse) deste clima de impossibilidades. Um brinde!

Cotidiano

Na quinta-feira, não sei por que razão fiquei tão angustiado em deparar-me com aquela cena comum em familia, com aquele cotidiano que absolutamente não era o meu e provocou-me inusitado sentimento de desordem pessoal.
Xícaras com resto de café sobre a mesa, que havia sido bebido recentemente, a TV ligada no programa "A Grande Familia," cobertores no sofá para aquecerem os pés. Fiquei deslocado de tudo aquilo, esperando o momento certo de dizer adeus e sair correndo pra rua. Já em casa e envergonhado da minha atitude, percebi que não encontraria jeito e palavras para levantar o telefone e pedir desculpas.

CAMINHADA SEM FIM.

Sentado no hall do edifício eu admirava a rua, as pessoas e alguns carros que trafegavam por ali e por um breve instante, senti um aperto no peito. Sim, às vezes sinto isto, uma dor que não é física, mas que defino pessoalmente como um aperto na alma, como se fosse saudades ou talvez melancolia de algo que nem sei o que é. Eu olhava a rua mas não percebia mais o que se passava nela pois meu olhar ultrapassava a parede envidraçada e se distanciava para outro lugar, muito, muito longe dali. 
E eu caminhava agora ofegante, pôr ruas estreitas e de pedras antigas onde homens e mulheres negras vendiam comida e usavam roupas coloridas diante de casas também coloridas de um amarelo, azul e vermelho vibrantes e percebia que eu não estava mais na minha rua, na minha cidade, no meu estado mental normal. Eu caminhava quieto e com uma sensação de alegria contida, mas também retraído, entre a multidão de pessoas, para que não percebessem que eu estava fora do meu lugar, naquela viagem fora do meu tempo real e com medo de ser descoberto. Ao mesmo tempo eu me perguntava, na tentativa de restabelecer alguma segurança, (quem saberia que eu não era dali, a não ser eu mesmo?) Surgiam alguns lapsos de memória e eu perguntava-me perplexo o que eu fazia ali, o que eu procurava? Já estava cansado quando parei de caminhar e procurei um pouco de fôlego para continuar, continuar, continuar esta caminhada sem fim...

É, a gente não está com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela!..

É, as vezes a gente quer dizer tantas coisas e não diz absolutamente nada, apenas fica calado pensando em dizer... Acho que não sou o único a sentir isto e nem serei o ultimo desta fila, mas dai encontrei Gonzaguinha no Youtub que colocou de forma criativa e sensível um pouco deste sentimento que é de todos nós.

Fora de Ordem

As vezes quando me dou pôr conta, me encontro as avessas, e então surge a sensação de que estou inadequado em meu próprio espaço e que não pertenço a esta cidade, a este pais e que se não fosse um absurdo total, diria ate não pertencer a este mundo. Fico meio fora de ordem, assistindo tudo a minha volta como um vídeo que aos poucos vai perdendo a cor e pôr fim a nitidez. Será que o mundo virou de cabeça para baixo e eu não sei?..
"...E o cano da pistola
Que as crianças mordem
Reflete todas as cores
Da paisagem da cidade
Que é muito mais bonita
E muito mais intensa
Do que no cartão postal...

Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da nova ordem
Mundial..."
Caetano Veloso.


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