Salvador


Salvador então perplexo com todos aqueles sentimentos, buscou sua pedra mágica e colocou-a na altura dos olhos para que lhe desse respostas, lhe indicasse caminhos. Procurava um sinal, um reflexo de luz diferente que lhe tirasse a dúvida, lhe convencesse da verdade, do caminho a seguir. Olhou então para o quadro onde o homem saia do ovo-placenta cinza e ainda assim não viu respostas. Resignado e em silencio, pensou que nem todo o dia era dia de magia. Guardou sua pedra e recolheu-se sob as cobertas quentes de sua cama e a ignorância de um mortal.

Salvador e a pedra

Salvador ganhou da bruxa sua pedra mágica quando ainda era pequeno. No principio não sabia o que fazer com ela, apenas admirava seu brilho, sua cor de um azul incomparável, sua textura lisa, sua resistência frágil, mas aos poucos foi percebendo que o brilho da pedra se modificava quando algo lhe atormentava, quando alguma dúvida lhe açoitava a mente. Ainda duvidoso de seus poderes, guardava-a numa gaveta e vivia sua vida aos tropeços, ora insatisfeito, ora feliz, ora resignado...

Salvador e o sonho

Salvador adormeceu e sonhou que tinha em suas mãos um ovo de galinha do qual quebrava dentro de uma tigela de barro. Sabia que não gostava de ter sonhos, por que estes lhe transportavam para mundos distantes e incomuns, onde era outra pessoa, com novas verdades, outros poderes, outra aparência, forte, sem medos, corajoso, viril, capaz de assumir lutas onde sempre saia-se vencedor. Na cama se agitava violentamente tentando retroceder do sonho, impedir a divisão dos dois seres, um que dormia ali e flutuava abandonando o corpo, que navegava em fantasias mágicas e o outro, que ficava preso ao corpo observando tudo em volta sem muitas vezes ter o que fazer. Tentava acordar-se buscando lembranças do mundo real.
Fazia uma força descomunal, até sentir sua matéria tremer para retornar a o consciente, acordar. Algumas vezes até conseguia. No outro dia, quando despertou, ainda cansado, lembrou assustado daquela luta e de suas aventuras no outro mundo, temendo chegar o momento que não mais pudesse retornar a sua vida imperfeita...

Salvador e a bruxa

A bruxa buscava Salvador, quando este dormia, cansado, quase hipnotizado das rotinas de seus dias normais. Esperava o estagio certo de sua entrega ao sono e então invadia-o sem permissão, induzindo-o a sonhos estranhos, dividindo-o em dois seres; O que segurava sua mão para passeios mágicos e o que ficava na espreita cuidando para que o corpo não se fosse. Voavam sobre telhados e causavam transformações, assumiam lutas e desvendavam mistérios incompreensíveis. Ela sabia que ele era um dos escolhidos e precisava inicia-lo mesmo sabendo de sua resistência, de seu apego as situações comuns de sua paralela vida. Um dia, presenteou-o com uma pedra azul, que dizia ser magia, incomum, oferecida exclusivamente para ele, que era também incomum, na esperança de conduzi-lo a o que ela achava ser inevitável...

A maré

O mar invadiu de repente o calçadão decorado, onde as pessoas caminhavam e dali podiam admirar toda a sua grandeza, o seu poder e beleza. Corroeu por baixo, formando crateras, túneis, expondo raízes; Lambeu por cima roubando os ladrilhos portugueses que enfeitavam o passeio, manchando muros, arrancando flores, arrebentando degraus. Num dia beleza e no outro total destruição. As pessoas atônitas, e com supostas respostas, foram embora arriscando motivos para todo aquele estrago impiedoso.

*Calçadão da praia de Caiobá-PR

Rosito

Rosito era irmão de Joca, marido de Marta, pai de Januaria e morava na Cidade Baixa. Era Jornalista e deficiente físico desde que nasceu. Veraneava no Siriú e cantarolava Caetano Velososo e Tom Zé enquanto molhava os pés na espuma do mar. Disse-me uma vez que sua deficiência incomodava as pessoas por que sua postura dava a impressão de que estava embriagado. Pessoa sensível, culta e sofrida. Tivemos uma amizade intensa e rápida por que nossas vidas mudaram de curso. Muitos anos depois, quando entrei na UTI do Pronto Socorro onde trabalho, encontrei-o deitada em uma cama, com aparelhos na boca. A enfermeira disse-me que tinha sido atropelado. Dias depois quando retornei à UTI, encontrei sua cama ocupada por outro paciente.

Namoro e promessas

Algumas vezes eu ia até o Escaler do Toninho beber alguma coisa e ver pessoas. Conhecia Lauro e Elen de lá:
Lauro que era arquiteto conheceu Elen que era psicóloga, no circo "Escaler Voador". Ele usava batas largas de algodão crú e ela saias compridas de crepe indiano. Namoram-se e apaixoram-se. Lauro prometeu construir uma bela casa para eles. Elen prometeu cura-lo desta doença.

Feitiço

Alguns dias pela manhã tem sido assim: Levantar cedo por força do habito, banho quente, café preto passado direto na caneca, pãozinho francês aquecido no microondas, notbook sobre a mesa da cozinha. Tem dias que amanhece com sol e outros meio nublado, então corro até o quarto para cobri-la melhor, observar seu descanso a distancia, seu sono profundo. Não quero acorda-la, somente observar-la sem fazer ruídos, como um bruxo que rouba traços da alma sem querer mostrar-se.

Maria Conceição

Quando Conceição se turbinava fumando seus (baseados), despia-se por completo ignorando eu e o resto dos moradores. Caminhava pela república completamente solta, nua e despreocupada com quem estivesse a sua volta. Os garotos que moravam nas redondezas competiam entre si, esperando vê-la passar por traz das largas janelas de madeira enquanto cantarolava musicas de Janis Joplin. Conceição namorou Carlos, depois Lídio. Foi mais tarde fazer medicina numa cidade do interior e nunca mais a vi.

Marisa

Marisa e eu desempregados, passávamos as noites inteiras comendo polenta com caldo Knnor e café preto. Falávamos sobre nossas decepções amorosas, nossos medos e fragilidades. As vezes nem dormíamos. Fazíamos de nossos encontros uma psicoterapia de queixas, silencio, gargalhadas e leitura de cartas um dia recebida, um dia escrita e nunca enviadas. Foram dias de tristeza e pobreza passados juntos, ancorados em uma forte amizade e superados pelo tempo. Hoje quando nos encontramos na rua ou na internet, lembramos com certa saudades esses tempos difíceis, mas vividos com intensidade e sentidos como vitória.

AS ROSAS

Enquanto ela caminhava pelos corredores do supermercado, eu escapei de seus olhos e fui até a floricultura encomendar rosas. Escolhi as mais belas e diferentes do balcão. 
Disfarçava de vez em quando para que ela não percebesse minha intenção. Quando as entreguei notei lágrimas de felicidade em seus olhos. Os clientes que passavam surpreendiam-se com as lágrimas e as rosas lilases nunca vistas antes.

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Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...