Namoro e promessas

Algumas vezes eu ia até o Escaler do Toninho beber alguma coisa e ver pessoas. Conhecia Lauro e Elen de lá:
Lauro que era arquiteto conheceu Elen que era psicóloga, no circo "Escaler Voador". Ele usava batas largas de algodão crú e ela saias compridas de crepe indiano. Namoram-se e apaixoram-se. Lauro prometeu construir uma bela casa para eles. Elen prometeu cura-lo desta doença.

Feitiço

Alguns dias pela manhã tem sido assim: Levantar cedo por força do habito, banho quente, café preto passado direto na caneca, pãozinho francês aquecido no microondas, notbook sobre a mesa da cozinha. Tem dias que amanhece com sol e outros meio nublado, então corro até o quarto para cobri-la melhor, observar seu descanso a distancia, seu sono profundo. Não quero acorda-la, somente observar-la sem fazer ruídos, como um bruxo que rouba traços da alma sem querer mostrar-se.

Maria Conceição

Quando Conceição se turbinava fumando seus (baseados), despia-se por completo ignorando eu e o resto dos moradores. Caminhava pela república completamente solta, nua e despreocupada com quem estivesse a sua volta. Os garotos que moravam nas redondezas competiam entre si, esperando vê-la passar por traz das largas janelas de madeira enquanto cantarolava musicas de Janis Joplin. Conceição namorou Carlos, depois Lídio. Foi mais tarde fazer medicina numa cidade do interior e nunca mais a vi.

Marisa

Marisa e eu desempregados, passávamos as noites inteiras comendo polenta com caldo Knnor e café preto. Falávamos sobre nossas decepções amorosas, nossos medos e fragilidades. As vezes nem dormíamos. Fazíamos de nossos encontros uma psicoterapia de queixas, silencio, gargalhadas e leitura de cartas um dia recebida, um dia escrita e nunca enviadas. Foram dias de tristeza e pobreza passados juntos, ancorados em uma forte amizade e superados pelo tempo. Hoje quando nos encontramos na rua ou na internet, lembramos com certa saudades esses tempos difíceis, mas vividos com intensidade e sentidos como vitória.

AS ROSAS

Enquanto ela caminhava pelos corredores do supermercado, eu escapei de seus olhos e fui até a floricultura encomendar rosas. Escolhi as mais belas e diferentes do balcão. 
Disfarçava de vez em quando para que ela não percebesse minha intenção. Quando as entreguei notei lágrimas de felicidade em seus olhos. Os clientes que passavam surpreendiam-se com as lágrimas e as rosas lilases nunca vistas antes.

O gato


O gato passeia pelo muro do edifico ao lado. Olhar de felino Siamês de um profundo azul que esconde segredos. Sempre nos vigiamos desconfiados. Eu da minha janela que se abre silenciosa e ele de sua rota marcada. Temos missões secretas que jamais confiaremos um a o outro, talvez nem para nós mesmo, animais urbanos.

Enquanto o resgate não chega

Pela manhã quando cheguei em casa após um plantão de 24 horas, não quis deitar para dormir, tomei um banho e sai a procura de gente. Tinha urgência de ver pessoas, que considero amigas. Ver seus rostos, observar seus gestos, ouvir suas vozes. Quando as encontrei, percebi mudanças não tão significativas em algumas delas, mudanças provocadas talvez por suas vidas borradas de pequenos problemas, insatisfações pessoais, estresse do trabalho e algumas pequenas alegrias ditas comum, previamente esperadas... Rimos, bebemos café e até contamos piadas com pouca graça. Voltei para casa menos tenso, e com a sensação de sermos náufragos de um mesmo barco encalhado e na expectativa e esperança de um resgate que demora a chegar, mas que temos um ao outro para nos aliviar enquanto o socorro não chega.

DOLORES DURAN

Eu amava Dolores Duran e tudo que cantava sem nunca te-la conhecido. Imaginava uma mulher com um vestido comportado como era os da época, cantando debruçada sobre uma janela, expondo o seu olhar triste, melancólico, para quem passava na rua.

Depois, por algum tempo, confundia-a com Cacilda Becker a dama do teatro. Somente depois quando esta paixão tendeu a aumentar é que fui em busca de seu rosto estampado em algumas revistas da época. Minha mãe, também fã da cantora, ensaiava dentro de casa, algumas de suas musicas temperando minha sensibilidade musical de criança e seu cansaço pela labuta da vida .

Ione

Ione visitava minha mãe com freqüência e fazia-lhe confidencias com intervalos de lágrimas. Lembro-me de sua tez altiva, e o aroma de seu perfume francês, seus sapatos coloridos combinando com a bolsa elegante, unhas vermelhas e lábios do mesmo ton. Um dia confessou estar grávida, disse que não poderia ter mais um, sacrificar sua vida e a do marido que amava. Precisava resolver o problema inesperado, colocar as gotas numa clinica clandestina oferecida por uma colega do trabalho. Depois disto, nunca mais a vimos, pois foi a ultima coisa que fez.
"Lembrei deste fato ao visitar uma pagina da Internet onde havia uma foto de Eliana Pitman, do qual Ione se parecia".

Beatriz, eu e Vivaldi

De tarde ouvi Vivaldi e suas: Quatro estações enquanto degustava uma taça gigante de cabernet Sauvignon sobre a cama. Lembrei-me que precisava ir até o supermercado pois faltava-me cebolas, batatas e tomates em minha despensa. Pensei que faltava-me também outras coisas, mas não as encontraria em supermercados. A alguns anos a traz, ouvia este mesmo concerto deitado na cama sobre uma colcha de retalhos na casa de Beatriz. Na casa de madeira onde se ouvia também o riacho correr, os pássaros cantarem. Ficávamos longos minutos deitados divagando sobre a vida, viajando dentro dos acordes delicados. Muitos anos se passaram e Vivaldi ainda provoca-me sonhos, Beatriz eu não sei.

Desfecho...em cima

Quando soube, hoje, da morte violenta de meu colega de trabalho num acidente de transito em seu retorno para casa, fiquei imediatamente pensando no desfecho de nossas vidas. Vida que vivemos, que fizemos planos, que amamos, que desperdiçamos, que ora cuidamos, que expomos e que não pensamos que no outro dia podemos perde-la.

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Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...