Ontem disse para um amigo, que talvez não me casasse de novo.
Este consórcio é por vezes doloroso demais. Mas também concordamos que o preço de estar só nos obriga a acordos que pensamos ser eternamente favoráveis a felicidade e a satisfação pessoal.
Daí, fizemos novas alianças, acreditando que desta vez vai dar certo.
As vezes dá. Para os que não dá certo o que sobra de tudo isto, são as lembranças do que foi bom e os filhos que serão eternos enquanto vôce estiver por aqui para ama-los de verdade.
Pois é:
Fui pela estrada...

Mãe, filho, irmã, sobrinhos.
Dunas Altas, mar, farol, Solidão.
Em Solidão pode-se achar um geito ser feliz.
Rir de tudo, contar piadas, falar do que tem vontade.
Se calar despreocupadamente quando é necessário ficar calado.
Nesta pirâmide de acontecimentos o que vale a pena é não ficar sozinho.

Amanhã relax.
Sem strees.
Sal e sol sobre minha cabeça, sobre meu corpo.
Areia nos pés.
Ativar chacras.
Desobedecer regras pessoais.
Restaurar energias.
Recarregar baterias sem cargas.
Renovar forças.
Saborear as ondas.
Dar um tempo, mesmo que curto.

Debruçado sobre a janela, devoro uma manga doce e grande. Sinto agora o vento noturno que sopra forte na minha cara e congela meus dentes. Tenho somente a visão da parede branca a minha frente. Esta parede é um iceberg de concreto que isola o horizonte ali na esquina. Vejo também a lua, quase apagada, envolvida sob nuvens. Lua tímida, testemunha dos vagantes, dos sem sono. Tenho um apetite voraz e preciso devorar outras coisas que não sei bem o que é... Mas sei que é uma fome que vem da alma e me deixa inquieto.

Isadora

Ontem a ventania já havia começado quando vi na rampa da garagem onde estacionamos a ambulância, uma sacola de super mercado flutuar mágicamente diante dos meus olhos como se tivesse vida própria. Dançava leve e solta a o comando do vento, esbanjando audácia e beleza sobrenatural. Era a própria Isadora Duncan reverenciando a vida e a liberdade. Mostrando que o belo pode estar na simetria dos movimentos livres, simples. Dançava exclusivamente pra mim. Eu que assisti uma cena semelhante no filme A beleza Americana, fui presenteado e achei ter ganhado o dia.

Acordei-me cedo em minha casa nova e então saí para caminhar pelas ruas, fazendo um reconhecimento do lugar. Bairro calmo, familiar, de classe media, com ruas arborizadas e varias praças a cada quadra que se inicia. Era 7h. 30min e moradores já estavam fazendo suas caminhadas matinais, alguns pedalando suas bicicletas, outros tomando chimarrão sob a sombra das arvores. Depois entrei numa lancheria para tomar um café. Conversei com o proprietário que me atendeu no balcão e disse que é morador há 38 anos, viúvo, três filhos, alegria estampada no rosto magro e de poucas rugas. Embora já tivesse bastante gente nas ruas, outros moradores iniciavam abrir suas janelas, a estender suas roupas nos varais suspensos dos edifícios. Carros de auto- escola treinando estacionamento com seus pupilos de expressão nervosa a bordo. Pássaros cantadores camuflados nas copas das arvores. Senti vida neste lugar que alguns anos a traz foi uma área deserta. Voltei para casa, com prazer de ter caminhado e encontrado muita vida naquela hora da manhã. Lamentei apenas estar sozinho, sem as pessoas que amo para compartilhar este momento.

Comecei a folhear alguns livros guardados no armário da minha casa a procura de frases soltas, então achei esta que fala em viver, escrito por Lia Luft no livro Pensar é transgredir: "Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos, para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos."

recado

Não visitei, nem me comuniquei com ninguém nesta semana passada. Provavelmente nos próximos dias me retratarei do desligamento necessário. Estive em período de socorro de mim mesmo, de auto- resgate que às vezes se faz imperativo, vital a sobrevivência.

Pequenos encontros...

Incrível como algumas separações propiciam encontros inesperados depois que tudo parece se esgotar. Encontros que antes não aconteciam por conta das diferenças individuais, dos descasos, das pendências acumuladas e urgências criadas pela vida. Perdemos a pessoa com quem convivíamos, mas encontramos outra na mesma pessoa que pode ser potencialmente um amigo, perdido sabe-se lá a quanto tempo e que de repente reapareceu das sombras, na esquina de uma frase dita. Talvez por que no percurso da relação semeamos algo como respeito, humanidade, delicadeza.
O fato é que sabemos que uma infinidade de coisas acabam, como amor, tesão, companheirismo, mas algo definitivamente fica marcado nestas relações. Algo que não sabemos exatamente o que é.

Bilhete pro Athos.

Tinha um olhar meio cinza que eu não sabia de onde vinha. A os poucos foi tendo brilho, mudando de cor. Começa agora a clarear sob a forçosa umidade dos olhos e ficar azul...

'Filho, tenho um olhar azul guardado para ti neste encontro que não aconteceu, mas está marcado eu sei.
Te devo isto, sem divisões, sem fragmentos, por inteiro e sem culpa.
Compromisso que marquei com afeto e sem medo de erros, sem desvio de olhares, sem palavras previamente elaboradas. Devo-te este encontro de amigo que tem saudades, que precisa de tua presença, do teu abraço, mesmo que não falemos nada, absolutamente nada...'

A cidade e seus corpos

Acho que a cidade tem mais de um corpo. O meu e o dela se vigiando atentamente. Um diante do reflexo do outro. Cria e criatura, instalando-se a desordem do ciclo natural, de quem nasceu primeiro, de quem é pai e de quem é filho. Quem construiu e quem foi transformado nas regras de suas leis e adaptações naturais. Acho que a cidade tem sua cara, seu jeito, seu cheiro, sua sensação de intimidade imprimida em ruas, becos, arvores centenárias. Acho que a cidade tem três corpos, o meu o dela e o seu. Todos de mãos dadas acolhidos sob um sentimento estranho de saudades.

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TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...