ROMA. A CIDADE ETERNA.

Eu tinha um sonho, o de chegar na Fontana de Trevi durante a noite e tomar um banho de roupa, naquela fonte gigantesca e maravilhosa. Era um fetiche, que deve ter nascido com as cenas do filme de Felline e que foi desaparecendo com o tempo e também quando descobri que poderia ser preso por isto. A fonte é realmente grande, iluminada a noite e dando aquela vontade de se jogar pra dentro.


A oportunidade de passar 10 dias na Itália bateu de repente na minha porta, dando-me  a chance de vivenciar momentos mágicos, de estar em lugares que até então me pareciam inventados pelo cinema italiano e paginas de revistas me provando que tudo é real. 
As coisas funcionam meio que desta forma pra mim: Elas só passam a existir de fato, quando tenho algum contato visual.
O pacote foi de 10 dias (06/04 à 16/04/2018), onde deu para conhecer 10 cidades. Um pouco apertado, mas valeu a pena, tratando-se de um lugar como a Itália e em particular Roma e Veneza que corresponderam a todas as minhas expectativas.


Mas mesmo sendo tudo tão real, Roma me pareceu uma cidade cenográfica, por comportar tanta beleza, cultura e história em suas ruas estreitas, avenidas, praças, pontes, prédios e monumentos seculares. As ruas estreitas e sinuosas de alguns bairros, por exemplo, te reportam para as cenas inusitadas dos filmes de Fellini, de Rossellinni, de Vittorio De Sica, transformando tudo em nossa volta, como numa cena de filme, porém, inacreditavelmente real. É só se beliscar, para se ter certeza de que não é sonho e que estamos acordados!
Por vezes me sentia dividido entre o sonho e a realidade. Era muita coisa para ver, admirar, administrar...


Roma é de fato o berço da civilização ocidental, onde o passado e o presente se encontram em cada esquina com seus surpreendentes monumentos, um museu a céu aberto com mais de 2.700 anos de existência e que nenhuma outra cidade do mundo conseguiu superar.
Como as vezes dizia a guia de turismo para o grupo: "Tudo começou aqui!..
Apesar disto, Roma nos dias de hoje, possui pouco espaço nos centros urbanos para se viver, as construções são baixas e sem garagens para guardar carros, poucos estacionamentos de rua, que obriga os romanos a comprarem veículos cada vez menores.
O sistema de linhas de metrô, por exemplo, tem um cumprimento de 38 quilômetros, operando somente duas linhas A e B ao redor da cidade, contra os 213 quilômetros de linhas de Paris e os 408 quilômetros de linhas de Londres. A frágil composição geológica da cidade e a descoberta de sítios arqueológicos com artefatos de grande valia,  tornaram inviável as grandes escavações, para projetos arquitetônicos e transportes urbanos de grande porte.


Um fato comum em Roma é você estar andando de carro, de ônibus ou a pé pelo centro da cidade e de repente numa esquina, se deparar com um grande monumento como o Coliseu, os muros do Vaticano, ou o templo da deusa Vênus. É de arrepiar!
Caminhar sobre a ponte do Rio Tibre ao entardecer é também uma forma de se deliciar com todos os elementos que a cidade tem a oferecer. Durante a noite, quando a cidade está toda iluminada, cai a ficha e se tem noção do porque a cidade é uma das mais visitadas do mundo.

RIONE TRASTEVERE:
Nas proximidades do Vaticano pode-se visitar Trastevere, um bairro charmoso e boêmio da cidade eterna (Roma), cuja a movimentação de pessoas em busca de restaurantes, bares e lojas de antiguidades em geral, lembra a nossa Cidade Baixa, aqui em Porto Alegre, só que em menor tamanho. 
Localizado na margem ocidental do rio Tibre e ao sul do Vaticano, o nome Trastevere vem do latim e significa além do Tibre ou além do Tevere. Ou seja, depois do Rio Tevere.
Caminhar por suas ruas estreitas e cheias de restaurantes, bares, tratorias, atelieres, até se perder é algo que ficará pra sempre na memoria de quem o visita. O bairro abriga galerias de arte e recebe feiras livres, principalmente durante o verão, quando as margens do rio são tomadas por bares, restaurantes e outras atrações, como um cinema ao ar livre.


No bairro, não faltam lambretas coloridas, pequenos carros para uso de duas pessoas, gente jovem e bonita, que preferem um lugar de encontro mais alternativo, porem com a mesma qualidade gastronômica, que os grandes centros do mundo.
Neste lugar o uso do forno de micro-ondas nos restaurantes é terminantemente proibido. Todo e qualquer ingrediente no preparo de pratos é fresco e levam no mínimo 40 minutos para serem servidos. A ordem aqui é sentar, beber e apreciar sem pressa o que de melhor existe em termos de gastronomia.
E por falar em comida...

CURIOSIDADE 1 
  • A salada:
Na Itália, a salada é servida como um prato, seria a segunda etapa de uma refeição e nunca o primeiro. Pedir uma salada como um aperitivo ( ou entrada) não é comum: os italianos preferem usar salada para limpar o paladar depois de comer a maioria de sua refeição.

  • Massas e carne no mesmo prato: 
Os italianos nunca colocam os dois no mesmo prato. Pasta é uma coisa, carne, frango e almôndegas são outra: você nunca vai vê-los misturados. 

CURIOSIDADE 2: 
  • O café:
O café italiano é bem forte e concentrado em uma pequena dose. Não se assuste quando você ver o café, é a metade de um expresso brasileiro, às vezes até menos. Então não pense “que mãos de vaca! Por que colocou só isso?”. Se quiser um expresso como o do Brasil, peça um café lungo. Caso goste do café bem fraquinho peça um café americano. Vivendo e aprendendo



COLISEU:
Uma das atrações mais clássicas de Roma e também conhecido como Anfiteatro Flaviano, o Coliseu era o local de uma série de espetáculos, entre eles os combates entre gladiadores e a morte de escravos e cristãos devorados por animais selvagens.
Erguido durante a dinastia Flaviana, o Coliseu resistiu à terremotos, incêndios e saques. Aproximadamente 2/3 da fachada original foram perdidos.


O Coliseu é um dos monumentos mais visitados do planeta e uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno. Vale lembrar que a visita ao Coliseu faz parte de algo muito maior. O anfiteatro está ao lado do Fórum Romano, coração da antiga Roma, e do Palatino, casa dos imperadores.


VATICANO:
Mas a visita a Roma não estaria completa sem conhecer os museus do Vaticano, um conglomerado de museus em um só, fundado em 1506 pelo Papa Júlio II, com uma vasta coleção de arte e peças reunidas ao longo dos séculos.
Nos Museus você encontrará a história do mundo, como a Estátua de Hércules, a estátua em mármore de Laocoonte e filhos datada de 40 a.c., os bustos de deuses da Roma Antiga, múmias, a divina Capela Sistina, pintada por Michelangelo e o sarcófago de Santa Helena.

Mas quem foi Santa Helena?
Nascida no ano de 255 em Bitínia, de família plebeia, no tempo da juventude trabalhava numa pensão, até conhecer e casar-se com o oficial do exército romano, chamado Constâncio Cloro.
Fruto do casamento de Helena foi Constantino, o futuro Imperador, o qual tornou-se seu consolo quando Constâncio Cloro deixou-a para casar-se com a princesa Teodora e governar o Império Romano. Diante do falecimento do esposo, o filho que avançava na carreira militar substituiu o pai na função imperial, e devido a vitória alcançada nas portas de Roma, tornou-se Imperador. Aconteceu que Helena converteu-se ao Cristianismo, ou ainda tenha sido convertida pelo filho que decidiu seguir Jesus e proclamar em 313 o Édito de Milão, o qual deu liberdade à religião cristã, isto depois de vencer uma terrível batalha a partir de uma visão da Cruz.
Faleceu em 327 ou 328 em Nicomédia, pouco depois de sua visita à Terra Santa. Os seus restos foram transportados para Roma, onde se vê ainda agora, no Vaticano,


Vai encontrar também, as Salas de Rafael, o Museu Pio Clementino, Museu Gregoriano Etrusco, Museu Gregoria Egípcio, Pátio da Pinha, Apartamentos Borgia, Museu Chiaramonti, Sala Imaculada Conceição, e tantas outras indescritíveis.

As Salas de Rafael:
As salas eram os aposentos privados do Papa Julio II (1503-1513), que chamou o artista renascentista Rafael, quem admirava, para decorar as paredes e o teto.
O trabalho começou em 1508 e levou 16 anos para ficar pronto. Tanto o Papa, quanto Rafael, não chegaram a ver o resultado final, pois faleceram antes do término. Felizmente, o artista deixou o projeto dos afrescos, que serviram de base para a conclusão realizada por seus discípulos.

Apartamento Borgia:
são um conjunto de seis salas no Palácio Apostólico Vaticano , que foram usadas pelo papa Alexandre VI (Rodrigo de Borja ou Borgia) para uso próprio no final do século XV . Tendo encomendado, o pintor italiano Bernardino di Betto di Biagio e seus assistentes, decorando seus quartos com pinturas e afrescos.


Separe pelo menos 4 horas para visitar os museus. Os ingressos para adultos custam €16. Se comprar online pela Internet pagara €27 que apesar de mais caro, tem duas grandes vantagens: não pega fila para comprar o ingresso e corta todas as filas para entrar nos Museus.


O Vaticano ou Cidade do Vaticano, oficialmente Estado da Cidade do Vaticano é a sede da Igreja Católica e uma cidade-Estado soberana sem costa marítima, cujo território consiste de um enclave murado dentro da cidade de Roma, capital da Itália que existe desde 1929.


A Cidade do Vaticano é um Estado eclesiástico ou teocrático-monárquico, governado pelo bispo de Roma, o Papa. A maior parte dos funcionários públicos são todos os clérigos católicos de diferentes origens raciais, étnicas e nacionais. É o território soberano da Santa Sé e o local de residência do Papa, referido como o Palácio Apostólico.
Uma visita a este lugar vale a pena para se ter noção da riqueza e do poderio adquirido pela igreja neste passar de séculos.
Até o próximo passeio!

UM JOVEM CHAMADO LUCAS

O suicídio de um jovem colega de trabalho, esta semana, deixou todos os outros colegas surpresos, tristonhos, indignados, perdidos, sem respostas, sem saber o que pensar, se perguntando principalmente o que teria levado ele a cometer tamanha atrocidade com a própria vida. 
Algumas resenhas emocionadas e micro-textos foram postadas no Facebook em memoria do que ficou de sua lembrança, um adeus, um descansa em paz  e quem sabe do que poderia ter sido feito para evitar este trágico desfecho, por que ninguém sequer havia percebido, a sua possível tristeza, a sua solidão, o seu sentimento de abandono que desencadeou tudo isto; afinal era um jovem aparentemente feliz e com uma vida inteira de conquistas pela frente.
Mas nada me tira da cabeça a responsabilidade da sociedade como um todo, causadora das deformidades e doenças que acometem a integridade emocional das pessoas que tentam sobreviver a ela.
A sociedade cria monstros, vitimas e suicidas que vê na própria morte uma libertação, um alivio da dor e do peso que carregam. Cria também, surdos, mudos e cegos, que não conseguem mais perceber que a sua volta existem pessoas precisando de alguma atenção, uma gentileza, um sorriso, uma palavra, um abraço.
Somos co-responsáveis, pela falta de tempo, pelo olhar desatento, pela falta de comprometimento e uso de protocolos.
Um dia, quem sabe, passaremos a ser menos juízes e mais fraternais.

ENTÃO VAMOS!

Depois de subir a escadaria e chegar ate a porta recostada, nos enchemos de coragem e a empurramos, fazendo a abrir sem dificuldade. Lá dentro a pouca iluminação, por falta de lampadas e janelas fechadas, causavam a sensação de que ainda era noite, daquelas noites estranhamente silenciosas e que pareia  não haver mais ninguém acordado no mundo.
De um dos cômodos, a unica lâmpada ligada, distribuía um facho de luz que chegava até nós, na sala e então ela apareceu, de cabelo amarrado, vestido florido e arrastando uma mala de rodinhas. Olhou-nos como se nos conhecesse e estivéssemos sendo esperados e cruzou a sala dizendo: Vamos, já estou pronta para a viagem!
Tudo seria absolutamente normal, se não fosse o fato de que ela estava sendo conduzida por nós, a uma simples consulta psiquiátrica.
Mas pera ai... O que é absolutamente anormal nesta história, se cada um vive no seu tempo emocional. A loucura talvez seja apenas um apelido que damos a este encontro de sentimentos, absolutamente diferentes, a o que chamamos realidade.

LOBOS FAMINTOS.

Tem coisas que acontecem no dia a dia da gente, que é lamentável e mesmo sendo um fato real, fica parecendo cena de novela das Seis. 
As pessoas podem sentirem-se no direito de criticar você e o seu trabalho,  simulando com aquele olhar fraternal e de responsabilidade social consciente, mas quando reúnem outras pessoas para falarem disto, nos churrasquinhos de fundo de quintal, aos finais de semana, isto tem outra motivação, é mau-caratismo e fofoca, disfarçado de outros nomes.
E pra deixar claro o que o dicionario descreve, sobre esses dissimulados e egoístas, são pessoas de caráter mau e traiçoeiras, não inspiram confiança. É sinônimo de cafajeste, canalha, patife, velhaco, calhorda, desonesto, entre outros.
São como lobos famintos que mesmo alimentados com cuidado e atenção, te mordem a mão quando ficas desatento.


UM QUADRO NO CÉU



Quando vi este pôr de Sol, no terraço da minha casa, pensei com meus botões: O que se aprende não é somente o que se vê e se lê, mas o entendimento amplo da leitura que fizemos interiormente. Não é a toa que muitas leituras nos são surpreendentemente, transgressoras e transformadoras!..

2018

2018 chegou em mim com uma força diferente dos outros anos. Força de mudanças, cuja a responsabilidade maior, depende só de ajusta-la na vida, como uma verdade, através da mudança de hábitos, atitudes, reflexões que geram novos pensamentos e olhares, abrindo novos caminhos e abdicando de certos privilégios. 
Li uma frase que não vou identificar o autor, mas que ajudou na minha decisão:
"Não abro mão da minha horta, nem do meu galinheiro. Isto não é questão de idade, isto é questão de oposição!"
Não, eu não vou fazer uma horta nem criar galinhas, mas pensei que abrindo mão de certas concessões, também posso fazer oposição.

COQUETEL.

Depois de um tempo, a gente fica meio de vagar, meio esquecido, meio sem forma, meio surdo, meio deselegante, meio sem paciência, meio reclamão e sem  achar graça, daquilo que todos acham graça e fazem disto um caminho para suportar o que por vezes, pra nós, não é mais aceitável.
Gosto dos bem humorados, como aquela frutinha doce, mergulhada na bebida amarga, que a deixa mais palatável, mas acho sem graça, os que acham tanta graça das destorções sociais e politicas do mundo como se tudo fosse uma piada e parecendo ter a resposta e um certo controle sobre tudo!


QUEM TEM MEDO DE PABLO VITTAR?


Irritado eu?.. Por que eu não seria mais um entre centenas, talvez milhares, numa sociedade cheia de juízes, de mentores, de filósofos, psicanalistas, de cientistas políticos online, de donos da verdade absoluta que tem a resposta na ponta dos dedos para arrumar o mundo, que tem a chave para a felicidade e do bem viver? 
De gente, por exemplo, que perde seu tempo falando mal de Pablo Vittar nas redes sociais e de suas performances ditas “sem talento”, tentando construir-se de um status critico de intelectualidade e bom gosto, que não possuem, fazendo aumentar cada vez mais o marketing do Drague Queen, que enche os bolsos de dinheiro e dos empresários da mídia que o apoiam?
Sabe aquela frase: “Falem mal, mas falem de mim!..” Então?
Fico irritado sim, porque não absorvo estas novidades como uma ameaça a sociedade e a minha integridade moral, intelectual, mas fico P da vida, com as mazelas nas redes sociais para gerar  discussões negativas que incitam o ódio e afomentam a discriminação.
Pablo Vittar, assim como Marília Mendonça, Preta Gil e tantos outros, que eu não lembro agora, não me representam por que não falam a minha língua e nem fazem parte do meu repertório emocional; portanto quando os encontro por acaso, através do radio ou da televisão, troco de canal e penso que tem gente que gosta e daí!.



RESTAURANTE-HOTEL TOFFOLO.

E vieram dizer-nos que não havia jantar. 
Como se não houvesse outras fomes 
e outros alimentos. 
Como se a cidade não nos servisse o seu pão 
de nuvens. 
Não, hoteleiro, nosso repasto é interior
e só pretendemos a mesa. 
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras. 
Tudo se come, tudo se comunica, 
tudo, no coração, é ceia. 
Carlos Drummond De Andrade



O Bar Restaurante e Hotel Toffolo em Ouro Preto, é destes lugares intimistas, que te convidam para um passeio no passado. Portas e janelas de um azul colonial vibrante, moveis antigos de madeira escura, meia luz e uma simplicidade, que reporta para uma taverna do seculo passado. Um garçom atencioso e educado, uma senhora que incansavelmente se mantém de pé atrás de um balcão, coordenando tudo a volta, com a voz mansa e um sorriso que esbanja bom humor e delicadeza. 


Dona Gracinda Toffolo supervisiona com espantosa energia o estabelecimento que está com a família a mais de um séculos. A propriedade é o primeiro hotel-bar da cidade de Ouro Preto, já existente há 114 anos e nele hospedou os escritores Manuel Bandeira e Carlos Drummond Andrade autor do poema que postei no inicio da página.

ESCADARIA LADRILHAR.


Então, quem já ouviu falar no Projeto Ladrilhar? Eu não conhecia, ate ler uma pequena nota no Jornal Diário Gaúcho, que caiu nas minhas mãos, não lembro como, num dia em que eu estava trabalhando e, me chamou a atenção e curiosidade.

O Projeto Ladrilhar foi uma ação de moradores do Bairro Jardim Carvalho, na zona leste de Porto Alegre, estimulando os conceitos de cidadania e empoderamento, para demonstrar que a união faz a força e é fundamental, podendo modificar um espaço público e seus conceitos. 

LOCALIZAÇÃO:
Localizada na Rua Professor Antônio Peyronton Louzada S/N no bairro Jardim Carvalho em Porto Alegre, uma escadaria antes, desconhecida, perigosa, intransitável e abandonada por mais de 50 anos passou a ser não só um atrativo turístico, mas a prova de empenho e força de seus moradores, que juntos, através de mutirões, lutaram por um objetivo comum: Revitaliza-la, e assim, mudar seus conceitos sociais, na periferia da cidade.


A ideia surgiu, do idealismo de uma moradora, a psicóloga Claudia Coelho de 46 anos, que com apoio dos vizinhos, transformou a escadaria de 88 degraus, antes uma rota de fuga de assaltantes e ponto de encontro de usuários de drogas, num orgulho para o bairro e exemplo para a cidade, a ser seguido.

LÍNGUA PINTADA

Um copo de suco, sobre a mesa.
Era só o que ele gostava de beber.
Matar a sede, adoçando a boca.
Se deliciar.
Manchar a língua de vermelho. 
Deixa-la meio esquisita.
Feito um artista de Circo.
Ou como a língua do Mick Jagger.

CANÇÃO IX



Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não me deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas suas águas.

NÃO ERA DESTE MUNDO

Um corpo se juntou a o meu, na madrugada.
Deitou na minha cama e me abraçou do nada. 
Estava escuro e eu não quis me virar.
Não quis verificar.
Fiquei imóvel.
De olhos fechados.
Calado.
Coração acelerado.
Assustado.
Que desafio tão complicado.
Não quis saber quem me abraçou naquela madrugada
Tentando me aquecer. 
Me envolver.
Fiquei ali parado.
Apavorado.
Asfixiado.
Pensando que aquele corpo
 talvez não fosse deste mundo.

OLINDA- PERNAMBUCO

 “Ó linda situação para se construir uma vila”.



A HISTÓRIA:
Eu ouvi falar de Olinda ainda na escola, por uma professora nordestina que coincidentemente se chamava Olinda: Um lugar entre colinas, fundado por um fidalgo português, chamado Duarte Coelho, que tomou posse da região, quando está, ainda era habitada por índios, no período que foi instituído as capitanias hereditárias pela realeza portuguesa.
Olinda é uma das mais antigas cidades brasileiras, tendo sido fundada (ainda como um povoado) em 1535 pelo primeiro donatário.
Foi a cidade mais rica do Brasil -Colônia entre o século XVI e as primeiras décadas do século XVII, chegando a ser referida como uma "Lisboa pequena", dada a opulência, só comparável à da Corte portuguesa.


Depois de povoado, Olinda prosperou chegando a posição de vila e mais tarde invadida e depois  incendiada peles holandeses, nas disputas por terras. 
Olinda foi perdendo seu espaço para Recife, onde seus invasores se estabeleceram e prosperaram.
Muitas edificações foram saqueadas e levadas para Recife, localizada a 7 quilômetros de Olinda. Somente em 27 de janeiro de 1654, os holandeses foram expulsos e iniciou-se a lenta reconstrução da Vila de Olinda.




O QUE ENCANTA NA CIDADE:
Olinda até hoje desperta encantos, por apresentar uma arquitetura colonial com casinhas e sobrados coloridos, pois naquela época não era usado números nas residências, eram identificadas apenas pela cor vibrantes das fachadas.


As ruas sinuosas e estreitas são iluminadas por lampiões de luzes amarelas nas fachadas das casas, sem postes e com calçamentos de pedras, muitas retiradas do mar. Essas pequenas ruas descem colina a baixo e desembocam em praias de águas límpidas, morna  e cor esverdeada.


CENTRO HISTÓRICO:
Subindo a Ladeira Da Misericórdia, chega-se no seu centro histórico, onde é possível vislumbrar a beleza do mar, com algumas barreiras naturais e a cidade de Recife.
Foi no alto desta colina, que surgiu o nome da vila, a partir de uma exclamação feita por seu donatário Duarte Coelho: “Ó linda situação para se construir uma vila”.


Sua vida noturna e agitada, com muitos bares e restaurantes que disputam espaço no centro histórico e na beira-mar. Durante o dia, alem da maravilhosa praia, feiras de artesanato comercializam diversos trabalhos de artistas locais por preços acessíveis.


BASÍLICA DE SÃO BENTO:
É a igreja mais rica de Olinda, fundada em 1582 com um altar de madeira banhado de ouro 22. Este altar foi desmontado 2001 em 52 peças e levado para Nova Iorque, numa exposição que comemorava os 500 anos do Brasil. Possui também o quadro mais antigo do pais, mais ou menos 400 anos, em estilo renascentista com a imagem de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro.
Também é a unica igreja em que a imagem de Cristo fica virado para a rua e de costas para o altar. O Convento de São Francisco e suas quatro capelas com azulejos portugueses e a Igreja da Sé, de onde se tem a clássica panorâmica da cidade, tendo Recife e o mar como pano de fundo. 


Vale a pena também conhecer: O antigo observatório astronômico de Olinda, do século XIX, atualmente fechado sendo restaurado e transformado num Centro de Informações Turísticas.

MERCADO DA RIBEIRA:
Neste local eram presos e comercializados os escravos e hoje transformado num mercado de artesanato.




ELEVADOR PANORÂMICO E MIRANTE DA CAIXA D'ÁGUA DA SÉ:
Inaugurado no final de 2011, o elevador panorâmico e o mirante da caixa d'água da Sé de Olinda, são as mais novas atrações turísticas do Sítio Histórico. A 20 metros do solo, o mirante descortina uma visão de 360 graus de Olinda e do Recife, assim como o elevador. A viagem é R$ 5,00 e pode ser feita das 14h às 17h.
Listada pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, Olinda possui 22 templos católicos e 11 capelas de singular beleza par se conhecer e nunca mais esquecer.



CARNAVAL E OS BONECOS GIGANTES:
Uma das principais marcas de Olinda é o Carnaval e o desfile dos Bonecos Gigantes. Confeccionados de madeira, papel e tecidos, estes bonecos são conduzidos pelas ruas da cidade, animando os foliões. Um dos bonecos mais conhecidos e tradicionais é o “Homem da meia-noite”.
Estes bonecos são representações de importantes personalidades históricas do Brasil e do mundo. Políticos, músicos, atletas e artistas famosos são transformados, com muito talento e arte, nestes lindos símbolos do carnaval olindense.


Todos os anos, mais de um milhão de foliões participam da festa popular. São aproximadamente 500 grupos carnavalescos que desfilam pelas ruas, principalmente do centro histórico de Olinda desembocando na região dos 4 Cantos, uma encruzilhada formada por 4 ruas que se encontram. Além dos clubes carnavalescos, saem às ruas clubes de frevos, blocos, maracatus, troças, afoxés e caboclinhos.
Olinda é a mais antiga entre as cidades brasileiras declaradas Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela UNESCO, e foi o segundo centro histórico do país a receber tal título, em 1982, após Ouro Preto.
Tambem foi eleita a primeira Capital Brasileira da Cultura, após concorrer com as cidades de Salvador e João Pessoa.

Até o próximo passeio!

TUDO MUDOU.

Nada mais em mim responde aos teus apelos.
Nem minhas células,
Nem minha alma,
Nem eu mesmo, respondo.
Tudo mudou de rumo, pra outra direção.
Não tenho mais essa compulsão,
De fazer e ouvir reclamações.
Não te dou atenção.
Fechei meus ouvidos,
Meus olhos.
Minha atenção.

CIDADE TRISTE.


Quando caminho num dia cinza, como o de hoje, com chuva e vento frio me batendo na cara, árvores sacudindo nas calçadas e pessoas em silêncio seguindo seu rumo, sinto cruzar as fronteiras de um filme mudo, que ficou lá para traz, em algum lugar esquecido do pensamento.
Vem a saudades de um poeta que se foi, de uma praça que se esvaziou, de uma rua que não sei onde vai dar, nesta cidade tão triste que os grafites tentam alegrar.

TESTOSTERONA.

Existe um homem que há nos homens, 
que desperta alguns sonhos, 
que libera certos hormônios,
com cheiro desconhecido, 
mas familiarizado aos mais íntimos sentidos.

Existe um homem que há nos homens, 
Que de tão quieto, não é notado, percebido.
Que de tão forte, é vigiado, perseguido.
Que de tão belo e audaz é temido.

Existe um homem que há nos homens,
camuflado de resistências,
que não se dobra a insistências,
 Que pra ser conquistado,
somente com muita
Paciência.

COM MEUS BOTÕES

Neste jogo em que algumas pessoas se submetem a viver como gladiadores não para manter sua acuidade de sobrevivência, mas a vaidade pessoal, nada pode lhes garantir uma soberania para toda a sua existência.
Ingênuos são os que acreditam nisto. São apenas peças manipuladas por um jogo maior de interesses e vaidades que logo perderá sua funcionalidade e também irá cair. 
É inacreditável as pessoas não perceberem que o que é novo hoje, se torna velho amanhã e como diz a musica do Belchior: "O novo sempre vem..."

PANDORA E GIRALTO

Te levanta, abre a porta.
Nada aqui nos conforta.
Nada ilumina ou da cor ao teu olhar , nem ao meu.
O que te prende aqui, não sou eu.
Acenda a luz por favor.
Já é tarde, ainda não amanheceu.
A casa está vazia e só reflete sombras. 
Só falta nós abrirmos a porta e sairmos sem alardes.
Os outros já se foram.
Nosso tempo se esgota, nos derrota.
Te levanta, abre a porta, acenda a luz.
Transportemo-nos para além deste sofá vermelho e das paredes cinzas.
Talvez num outro lugar, encontremos guarida entre alamedas floridas.
Há nas Dálias, Rosas, Lírios, Hortênsias, partes de nós, esparramados entre raízes que brotam no meio das pedras, na mata, nos rios, nos caminho das estradas altas da serra de outro mundo.
A luz virá natural, como um eclipse, numa noite de Natal.
Te levanta, abre a porta.
Vem.
Quem sabe partir, seja o nosso presente.
Nos alimentaremos de luz e néctar.
Passearemos de mãos dadas.
Tu Pandora e eu Giralto.

RACIOCÍNIO COMPLEXO


É preciso paciência para entender este raciocínio complexo:
O que se perde é o que se ganha. 
O que parece menos é mais. 
E o profundo é tão raso, que podemos atravessar a pé,
sem medo de nos afogarmos.

VENUSTO.

Não, eu não sei falar bonito ou dar grandes opiniões. Não sei lidar com as palavras, assim como muitas mulheres daqui, que passam a maior parte da vida, na beira do riacho lavando, ou na frente do fogão cozinhando.
Só sei, é que perto da hora em que tu chegas do trabalho, cansado, preparo o que aprendi de minha avó, que também ensinou minha mãe, sem muitas palavras.
Corto as cebolas que tenho, esmago todas as cabeças de alho que perfumam a casa, quebro os galhos de alecrins, louros e outras ervas que colho do mundo e jogo no cozido,  alvoroçando toda a vizinhança.
Sirvo-te em silêncio, com arroz soltinho, na mesa arrumada sem assuntar, por que não tenho palavras bonitas e de grande importância pra dizer.

QUE NÓ É ESTE.

Que nó é este, 
Que não se desfaz.
Que tanto aperta,
E se refaz.

Que me tira o sono,
Que me desperta
Que me completa
E me repleta.

E de repente me esvazia 
A qualquer hora do dia.
E não estia.
Me fatia.

E dá uma dor, 
Uma nostalgia,
de certas coisas que eu nem sabia

Que nó é este
Que me sufoca,
Desaparece e logo volta.
Retorna com tanta energia
E me desafia.

SABIÁ.

Sabiá que canta,
que me transplanta do sono,
que me desperta antes da luz clarear,
do dia chegar.

Sabiá escondido, no arvoredo,
o gato malvado quer te pegar.
Atrevido,
exibido,
não para de cantar e
querer me fazer acordar,
me levantar,
me preparar,
para ir trabalhar.

CONVITE FEITO

Apenas uma mensagem
e tua curiosidade se acendeu. 
Respondeu.
Apareceu.
Veio ao meu encontro todo molhado.
Cansado.
Desconfiado.
Sabendo que deveria ficar.
Arriscar.
Ficou. 
Tentar o que nunca tinha feito. 
Se embaraçar. 
Se questionar
Até chorar.
Correr o risco.
Feito corisco
Se mostrar.
Sem se anunciar.

DA GIRA

Uma reza.
Uma oração.
Uma canção.
Despeja tanta emoção.
Bate em meu coração.
Saia rodada.
Perfumada.
Transfigurada.
Bonita.
Transita.
Incita.
Dança como se não dançasse pra ninguém.
Colar de contas. 
Temperado com cachaça e dendê.
Não posso morrer.
Tenho que viver para ter
neste ilê


"Numa tarde, quando eu vi pombas Giras voando, girando, dançando."

ACALANTO.

Deita
O sono já chega
E o corpo cansado
Quer se aconchegar

Dorme
A noite é tão pouca
E o dia já volta
Pra te despertar

Lia, cozinheira e babá
Rita faz amor pra viver
Clara que trabalha por dois
Nina que nem sabe o que fazer

Se amanhece o sonho se vai
Mais um dia pra se viver
Vidas que o destino constrói
Ilusões que o tempo vai varrer

Nina sonha já ser mulher
Rita quer um vestido de outra cor
Clara sonha um tempo de paz
Lia quer sonhar com seu amor

Dorme
Que amanhã é tempo
De recomeçar


Esta musica de Mario Gil, interpretada por Monica Salmaso é uma das coisas mais bonitas que já ouvi nos últimos tempos. Linda, linda. feminina, sensível.

CANÇÃO V

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada no entendimento de tua mãe e irmã.
A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido.
E o que tu dizes nem pode ser cantado porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor

Hilda Hist./ Zeca Baleiro.

CALIFÓRNIA DAQUI.

Califórnia daqui, underground.
Usa o skate de tapete.
 De manhã milk shake.

Revigora.
Se isola.
Ignora.
Às vezes aparece,
Tocando viola.
Olhos de mau,
Radical,
Não intencional.

Olhos rasgados.
Puxados por um risco atravessado,
Desenhado.

Tesoura na mão.
Cabelos no chão.
Transformação.

Tufo dourado na cabeça.
Coroa com certa estranheza,
Diferente beleza,
Uma certa tristeza.
Flecha veloz nas plataformas de rua,
Nos corrimões,
No concreto armado,
Descolado,
Arremessado.

Não sofre nenhum arranhão.
Presta a atenção.
Apenas a sensação,
Que tem o mundo nas mãos.



TRUNCA


Sempre que repetia os erros, 
Sentia que melhorava.
Então não rebatia,
Não refletia,
 Só insistia na rebeldia.
Persistia nos erros, até chegar aos acertos,
Mesmo com alguns defeitos
E assim fazia a maquina funcionar,
Truncar,
Incendiar,
Ate tudo se ajeitar,
Se arrumar.
Mordia os lábios ate sangrar,
Depois voltava a teimar.


FERIADO NACIONAL

Quando levantou da cama, ao amanhecer, o dia parecia sombrio. O sol pouco evidente, espalhava seus filetes de luz, por entre as arvores, na rua ainda deserta de gente e sem automóveis barulhentos.
Não sabia ao certo, o motivo daquela sua primeira impressão, mas percebeu folhas avermelhadas, nos galhos de pitangueiras e um gato branco, sentado num muro grafitado.
O dia, particularmente aquela manhã, lhe parecia mais lenta que o normal. Nada intencional, mas com aquela cara de feriado nacional.

SANGUE NAS VEIAS.

As veias das mãos e dos braços, turgiam quando ele fazia alguma força, ou movimentava o volante do Cadillac azul para leva-la a passear.
Ela observava-o perfumada, no banco de traz, com discrição e controle de seus impulsos, para não tocar com a ponta dos dedo aquelas mãos e braços e sentir a intensidade com que o sangue corria dentro delas, quente e vermelho.
Haveria muito mais a ser percebido sobre seus  secretos sentidos, não fosse esconder os olhos, que se perdiam na direção da rua, um tanto envergonhados, olhando a paisagem passar.

O GRANDE URSO CHAMADO NITAMARA

Certa noite, uma mulher, engoliu um grande urso. Sem saber ao certo se era sonho ou fantasia da sua imaginação, tentou esquecer daquele fato bizarro e levar a sua vida normal, ate que percebeu, que com o passar do tempo, foi adquirindo certos hábitos e desejos que lhe despertavam uma força, que jamais tivera antes.
Às vezes lembrava em rápidos lampejos, daquilo que parecia um sonho incomum, mas sonhos eram apenas sonhos, porque desperta-los?..
Mas o grande urso engolido, usando de sua inteligencia e força, disfarçado no corpo de tão frágil mulher, decidiu despertar e caçar alguns homens que estavam perdidos na floresta das sombras. 
Juntou-os num mesmo lugar, livres e sem trancas e lhes deu um espaço onde pudessem criar, reconhecer suas almas e assim expulsar seus próprios demônios.
E esses homens então, ainda tímidos, desconfiados, começaram a cantar e a tocar chocalhos como índios, a dançarem em círculos feito galinhas, a declamarem  poesias como Castro Alves, nos seus manifestos abolicionistas.
O que parecia uma desordem, virou uma festa, uma reflexão, uma contestação, uma revolução.
Tambores e cânticos eram ouvidos a uma longa distancia, por outros homens que se aproximavam curiosos.
Há de se pensar nestes homens resgatados, como uma provação e na floresta das sombras como uma prisão e o urso a libertação.
A frágil mulher, talvez desconhecesse que seu nome Nita, que lhe fora dado ao nascer, significava grande urso e Mara, desordem, guerra, revolução.

Este texto é uma homenagem a uma das incentivadoras da cultura em Viamão. Niltamara. Nita: Significa grande urso. Mara: guerra, desordem, revolução.

CANTIGA DE NINAR.


Solidão era uma poeira leve, que cobria a cara dela. E quando o mundo girava, jogava em seu colo pedaços irregulares, que adormeciam em seus braços, feito crianças frágeis e abandonadas.
Às vezes seu olhar se distanciava para as mais profundas incertezas. Mas o mundo lhe confidenciava segredos, com a mesma brutalidade que lhe arrancava pedaços e jogava outros em seu colo, para que pudesse ninar-los.


AS TRAPASSAS DA MORTE.

A morte observava-o a vários meses, mantendo um discreto sigilo. Vigiava tudo o que ele fazia, seguia seus passos, lia seus pensamentos e às vezes até deitava do seu lado, quando chegava do trabalho  e se jogava na cama morto de cansado .
Pensava em levá-lo mesmo sem qualquer justificativa e gozando de boa saúde.
Mas aquela espinha que lhe sairá no rosto, na semana passada, talvez rendesse um bom motivo...

NO TEMPO DAS EXPECTATIVAS.

O olhar dela para ele, não era só de admiração, mas de uma grande expectativa e de um possível namoro promissor, com fantásticas experiencias inovadoras a serem descobertas juntos.
Sempre que podia, corria ao seu encontro, disponibilizando tempo e atenção.
O olhar dele era fugitivo e rebatia em paredes vazias, como quem tinha dúvidas se seguia em frente numa aventura de pouco interesse e futuro incerto.
Ela imaginava horas e horas de papo cabeça sobre os lençóis úmidos pelo entardecer da madrugada. 
Ele queria apenas ficar sozinho e comer bergamotas ao Sol do outro dia.

O MISTÉRIO DAS JANELAS

Carregava dentro de si o mistério das janelas que se abriam e se fechavam para o mundo. Isto era para ele, muito significativo. Janelas velhas, coloridas, quebradas, desgastadas pelo tempo, lhe chamavam a atenção de uma forma peculiar e por vezes incompreensível.
Em cada uma, um mistério a ser revelado, uma historia a ser contada, talvez um segredo a ser mantido com as tampas fechadas.
Em criança, queria saber o que se escondia por traz delas, depois de algum tempo, o que acontecia do lado de fora. Janelas lhe pareciam, um portal de descobertas a serem desvendadas.

IRMÃS GÊMEAS.

A verdade e a mentira são como duas irmãs gêmeas atraentes e com suas antagônicas personalidades, que se completam sobre as atitudes e inclinações humanas.
Que desconhecida força, lhes dão tamanho poder?
A verdade tem suas pequenas mentiras camufladas...
A mentira, algumas verdades saborosas...

O VOO DO DRAGÃO.

Ele ficava sempre ali, na mesma esquina, a mostra, aguardando eu passar, como um dragão pronto para me rasgar a pele, lamber meus ossos, me devorar.
Algumas vezes ficava pendurado num andaime, entrelaçado em cordas, disfarçado com um uniforme, um capacete de proteção, para que eu, de longe, percebesse seu jogo, suas atrevidas investidas, seu olhar de fogo que me vigiava, que tentava buscar o meu ainda assustado, inibido, preocupado de ser ferozmente aniquilado.
O medo me consumia, mas algo em mim, já havia sido dominado, pois não conseguia desviar a rota. Fazia o mesmo trajeto, tremula, sentindo seu fogo chegar em mim, me queimar as coxas, o ventre, até terminar-me em cinzas.
Quando enfim nos encontramos, pude sentir que estava perdida. Sua pele áspera, suas garras que me marcavam as costas, seu abraço forte de dragão que me envolvia, me fizeram voar sobre os continentes mais distantes.

POEMA PARA SÔNIA.

Com Sônia, os amigos cantam, dançam e declamam poesia.
Sua alegria se transforma em energia, se espalha, contagia.
Na casa de Sônia os pássaros adormecem nos entre laços de uma trepadeira.
Parece besteira, rotineira.
Coisas de feiticeira.
Seus olhos falam e encantam.
E quando canta:
De seus lábios escorrem boleros, fados, samba-canções.
Sônia é mais que poesia é alegria e dedicação.
Mesmo na contramão.
Nas ruas sombrias de Viamão
Onde se ouve suas canções
É o rodopio dos piões, que descobrem uma nova direção.
É o mistério dos pássaros que gorjeiam na vertical.
É sensacional.
É as páginas de um livro,  que a brisa decidiu revelar,
sem nada ocultar, perpetuar.
Sônia é arte.
É estandarte.
É a sabedoria do coração.
É vibração.
A mais pura emoção.



NOITE DE MACUMBA.

De longe, ouço um sino tocar com delicadeza em meu coração.
Na noite escura, mulheres com saias rodadas e coloridas, surgem cantando e acedendo velas. Também depositam tigelas de barro enfeitadas, na esquina vazia.
Parece haver uma festa com farta comida e bebida.
A estas horas da madrugada, poucos veículos circulam e os que passam, andam de vagar ou tentam desviar sua rota.
Gritos e sussurros, é ouvido.
A esquina vira um mundo, fora deste mundo.
Os que caminham por perto, desavisados, se sentem temerosos com o que poderão ver ou sentir, nestas noites em que coisas invisíveis estão a solta na esquina.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES.

Um jovem caminha na rua, com uma grande mochila presa nas costas. 
Ele vai ou vem de algum lugar... 
Do outro lado da rua, um idoso, com seu cão de estimação preso a uma guia, caminha no sentido contrario. 
Ele vai ou vem de algum lugar...
Eles se cruzam sem nada dizer um a o outro.
Eles vão ou vêm de algum lugar...
Isto cria alguns pontos de vista neste texto, que não cabem explicações, mas que levam para algum lugar... 
Será que isto tem alguma significação importante, alem de um cronograma de atividades?
Tudo vai ou vem de algum lugar.

ALMAS GÊMEAS.

Existem algumas facetas minhas impregnadas em ti, que ao te encontrar por acaso, ou não, percebo no teu olhar, nos teus gestos, nas tuas atitudes mais cruas. São pedaços de mim, da minha carne, dos meus ossos e nervos espalhados em ti, feito um remendo costurado com finas artérias, que pulsam e reagem aos incômodos da alma que também parece minha.
Dores, alegrias, inevitavelmente compartilhadas em corpos diferentes, mas cuja a alma se parecem similares, noutros momentos tão desiguais.
Alguns atitudes tuas, me levam a embriagues da alegria, outras a uma certa angustia natural de quem se vê e carrega certas culpas que não são de nossa inteira responsabilidade.
Beijar-te, é beijar a mim mesmo no espelho, com certa estranheza. Contrariar-te é dar as costas ao que sou.

A DANÇA DA LAGRIMA

A lagrima lhe caiu do olho e foi descendo pelos frisos do rosto até o canto da boca, como se tivesse vida própria. Seguiu dançando livre como Isadora, sobre o pescoço, a caminho dos seios, atravessou a barriga e umbigo, onde definitivamente parou, formando uma poça salgada.
Há certos balés da vida, que não admitem testemunhas oculares!.. Isto só é possível perceber com muita atenção e olhos fechados.

VINGANÇAS INOCENTES.

Sentia algumas vezes, que era alvo de pequenas e ardilosas vinganças, promovidas por algumas pessoas, mas daquelas vinganças sutis e disfarçadas de atitudes inocentes, cujo o objetivo não era o de destruir, mas de jogos de força ou alguma lição silenciosa de perspicaz intendimento.
Surgiam a o acaso, em doses pequenas, que  em certos momentos pareciam não ferir, mas noutros, surtir um angustiante sentimento de culpa a ser tratado.
Seria por tudo o que não deu certo e pelo tempo que foi perdido?
Já havia experimentado isto, com outras pessoas, o que o fazia repensar sobre te-las do seu lado, no pouco que lhe restava de vida.

OBJETO DE AZAR

Semana passada o corpo de um jovem assassinado, foi encontrado na calçada da rua do lado. Os vizinhos todos comentavam nas redes sociais aterrorizados com a violência que começa a chegar na porta de suas casas. Talvez a vitima não tivesse sido morto ali, mas noutro lugar e depois desovado na rua escura, que muitos passam e temem por assaltos.


Dos pertences da vitima, sobrou um par de tênis, esquecido, jogado na calçada, que ninguém tem coragem de descartado-lo num saco de lixo. Ficou meio que amaldiçoado, um objeto que pode atrair coisas negativas. Sei lá o que as pessoas pensam. 



MARAS, VALE SAGRADO DOS INCAS.


Maras é uma cidade que parece um vilarejo no Vale Sagrado dos Incas, no Peru, a 40 quilômetros ao norte de Cusco. A cidade é conhecida por suas lagoas de evaporação de sal, suas casas e a igreja,  que parecem uma grande escultura de argila vermelha feitas à mão, perfiladas em ruas estreitas da mesma cor. 


As pessoas que nela vivem, são de aspecto simples e te observam como se tu viesse de um planeta distante, até cumprimenta-las com um simples movimento de cabeça ou um sorriso de simpatia. Não puxam conversa a toa, mas respondem expressivamente ao primeiro contato.
Idosos sentados na calçada, crianças com trajes típicos ou uniformes escolares, desfilam pelas ruas empoeiradas dando seguimento a suas rotinas.
Maras te reporta a solidão de viver num lugar parado no tempo e de beleza impar. É também o caminho para as Salinas de mesmo nome e o sitio arqueológico Moray, uma especie de estação de experimentação agrícola, até hoje não comprovada.

FÚCSIA.

Abriu a porta e saiu sem dar explicações de onde ia, caminhava na ponta dos pés, pelo corredor do edifício, como se não quisesse chamar a atenção. 
Cruzou a rua parecendo em fuga e foi de encontro a ele, que não tinha rosto dentro do carro de janelas escuras.
Da sacada, alguns curiosos a observavam silenciosos, o que parecia ser o seu mais recente segredo.

PRENÚNCIOS DA NATUREZA.

Um vento brando movimentava as arvores daqui, perto de casa, numa tarde ensolarada, em que homens gritavam em suas praticas esportivas, crianças corriam e cachorros latiam. De repente o vento soprou mais forte fazendo com que as arvores se inclinassem mais do que o normal. Delas saíram pequenas partículas flutuantes, que ao se aproximarem dos meus olhos, percebi tratarem-se de plumas de pássaros que levitavam no ar, indo para o leste. Os pássaros começaram a voar de todos os lados alvoroçados.
Este deve ser um acontecimento corriqueiro da natureza, que quase não percebemos, porque nossos olhos estão voltados para dentro, à espera de outras transformações, pensei. A desatenção,  nos faz perder certos prenúncios ocasionais de mudança. A chuva caiu impiedosa, minutos depois, parecendo que iria acabar com o mundo.

CUIDADOS REDOBRADOS.

Por alguns instantes, percebeu-se entrando em zona de conflito interno, que inúmeras vezes não conseguia controlar, disfarçar. Iniciava com uma certa tensão, que ia tomando-lhe o espaço até não conseguir mais respirar, deixando-o em completa desordem.
Longe de casa, do seu mundo particular, afastado de amigos, que lhe proporcionavam algum conforto e segurança, era possível relaxar, se mostrar e até cantarolar alto, errando as letras; Mas ali, cercado daqueles estranhos cordiais, cheios de sorrisos e gentilezas, não era possível ser ele mesmo e mergulhar em voos rasantes de suas verdades, era necessário redobrar cuidados e atenção, inclusive de si mesmo para não se trair.

PRENUNCIO DE DIAS PIORES


Às vezes, perdia-se de si, esquecia quem era e pra onde estava indo. Não reconhecia as pessoas, as ruas, os prédios, os cheiros que compunha a cidade, agora transformada num mundo estranho a sua volta. 
Perdia o norte e ficava girando feito uma bussola desorientada, ate encontrar um refúgio, uma porta fechada, uma parede que lhe parecesse sólida, para também apoiar-se e esticar as costas tensas que doía.
Forçava por alguns momentos, lembrar-se do objetivo que tinha, quando levantou da cama tão certa de si, trocou de roupa e ganhou a rua de cabelos soltos, boca pintada, com algum propósito debaixo do braço e uma certa apreensão contida.
Era somente disto que lembrava?..
Desconfiava que estava a beira de um colapso, pois não era possível aqueles esquecimentos repentinos, que a despersonalizava, deixando um grande vazio da sua existência e preenchidos pelo barulho desenfreado da cidade.
As pessoas olhavam-na como se percebessem que algo estava errado.
Sua cabeça girava e transformava suas lembranças num monte de pó, a se perder no vácuo.
Algo de pior estava por vir, pensava apreensiva enquanto caminhava sem rumo. Os esquecimentos eram algum prenuncio de dias muito piores a lhe surpreender.

DUETO DE CORDAS.


Quando ele passou distraído, sem perceber que estava sendo vigiado, ela escondeu-se entre os eucaliptos sem perde-lo de vista. Pensou consigo mesma, enquanto observava-o se distanciar:
Homens tem o caminhar firme e um cheiro próprio de homem que não conseguimos definir. Pele áspera, pelos que arranham na hora do carinho.
Reproduzem um som de violoncelo quando estão parindo poesia a o seu modo, em nossos ouvidos.
Dão-nos uma certa dor que temos que suportar quando se entregam e mostram seus segredos de dominação natural.
Pra nós, fica a habilidosa tarefa de tocar violinos sem desafinar a musica.

CONVITE INOPORTUNO.

Logo agora que eu não tenho força para subir montanhas.
Olhos para enxergar o horizonte.
Agilidade nos braços para nadar em teu lago, 
que me estendes a mão, num convite simpático?
Ah, este convite demorou demais.
Mais do que a própria vida. 
Envelheceu os anseios e chegou tarde demais...
Agora quero voar  nestes céus que inventei 
e descansar na fragilidade das nuvens. 
Caminhar na beira dos abismos, sem medo de cair.
E se acontecer de cair, saio por aí voando.
Planando.
Levitando na minha própria sorte.
Esta mesma, que te tornou distante...

SOMBRA DISTORCIDA.


Por aqui, nada de novo acontece é somente eu, eu e eu, de cara estampada nas manchetes da minha imaginação e que vou alimentando com argumentos vil, para me penalizar, me vitimar, me tornar impotente, vulnerável e sem forças.
Aprendi a bater de frente com desencontros, a tropeçar em duvidas. 
Me perco, me acho, me escondo, me excluo de toda a culpa, de todas as responsabilidades pra não mostrar minhas fraquezas.
Me transformo num disco arranhado repetindo sempre a mesma coisa: Eu, eu e somente eu, a buscar-me, a achar-me, a desencontrar-me, a perceber que tudo é o mesmo, que nada mudou e que não tenho nenhuma estratégia eficiente para sair desta angustia.
Sou uma sombra distorcida como muitos, disputando um pedacinho de luz.

NADA É MELHOR QUE A TUA AUSÊNCIA.


Descobri hoje cedo, ao levantar-me da cama, com grande surpresa, que nada por aqui é melhor que a tua ausência. Esta mesma ausência que tanto me frustrou e me delegou poderes de aprisionar minha própria alma e a tua.
Foram tantas brigas, insinuações, lamentos e tentativas de perdão que não foram possíveis.
Levantei cedo sob o silencio da casa, abri janelas e gavetas, arrastei cadeiras, coloquei um disco para rodar na vitrola e me senti liberta de certos apegos e sortilégios desnecessários.
Depois de tantos meses quieta, sem desentendimentos e magoas, estou aparentemente curada, sentada em paz e apreciando uma xícara de café, como a muito tempo não apreciava.
Há na vida certas surpresas: Contraímos dores, que de uma hora para a outra, desaparecem inexplicavelmente ao levantarmos da cama e descobrir que nos bastamos.
Faltam agora, passarinhos pousarem na janela.

O ANOITECER NA ILHA.


Ele apoiou os braços na janela, para observar o Pôr do Sol, que lhe perecia particularmente com uma luminosidade diferente dos outros fins de tarde que costumava ver e por alguns instantes, desconfiou que ela, em sua casa, também pudesse estar debruçada na janela, assistindo este mesmo espetáculo, que ele contemplava com surpresa.
Pensou que talvez necessitassem naquele momento, estarem juntos, lado a lado, assistindo toda aquela beleza, contradizendo este mundo da pressa e dos compromissos inadiáveis, para assistirem aquele Sol e  comentarem tudo à respeito.
Por outro lado, sua timidez impedia-o de pegar o telefone, de mandar uma mensagem, pois o motivo lhe parecia tão bobo e sem sentido.
Percebeu que estavam quase sempre indisponíveis e que talvez algumas ausências provocadas por alguns compromissos, fossem responsáveis pela falta de coragem de fazer um convite daqueles.
Então ele ficou no mesmo lugar, com os cotovelos já doloridos, apoiados na janela, observando o sol se ir, a cidade aos poucos escurecer, com a sensação de estarem juntos, mas também separados, cada um na sua janela, mudos, sensibilizados, incomunicáveis, na mesma ilha que anoitecia.

A GENTE SE ACOSTUMA

Encontrei este vídeo por acaso, na pagina do Facebook de uma amiga. Palavras que devem ser ouvidas para uma reflexão profunda sobre nossas atitudes diante da vida e de nós mesmo: "A gente Se acostuma"

TEMPOS MODERNOS


Então eu embarquei numa outra nave e me distanciei, sem olhar pra traz. Não quis ficar ali aguardando a decisão de quem possivelmente me acompanharia, pra aqueles mesmo destinos desconhecidos que sempre busco e me transformo em outra pessoa...
Todos ficaram sentados ali, na ante-sala  de luz moderada, aguardando a decisão que não vinha de ninguém, pois todos se mantinham em silêncio, cabeças baixas, distraídos, a procura, talvez de sonhos, aplicativos que os mantivesse meio vivos, meio alegres, despreocupados.
Os dedos ágeis e o olhar fixo numa telinha luminosa, os hipnotizavam e os transformavam em raros robôs de expressões humanas, que não sabiam o rumo a tomar, nestes tempos que se parecem tão modernos.

COMUNICAÇÃO CARICATURADA.


Fiquei fingindo naturalidade, depois, fugindo o tempo todo pelos cantos do apartamento, com uma certa inibição de quem descobre-se deslocado por estar no lugar errado e na hora equivocada.
Em cada lugar que eu me acomodava, para aliviar aquela sensação desagradável, ela vinha e sentava-se do  meu lado, com o telefone celular entre os dedos, forçando presença.
Mantinha-se quase que em silencio, quebrado apenas por algumas frases soltas de atenção a mim, retomando o assunto interrompido. Em seguida voltava-se para o aparelho, que lhe fazia alterar a expressão do rosto significativamente.
Por outro lado, fiquei pensando!!..
Tem pessoas que acreditam ser possível administrar com naturalidade uma atenção coletiva, tratando de assuntos diferentes ao mesmo tempo, sem prejuízos de outros, mesmo desviando o foco e promovendo uma comunicação caricaturada e confusa.
A sensação que me dá, disto tudo, é que o corpo está presente, mas a alma, expressada no rosto, fica escondida por de atrás de mascaras de teatro grego, que vão sendo trocadas a cada momento necessário. Num minuto é a tragédia, noutro é a comédia, intercalados por qualquer coisa vaga.

OBJETO NÃO IDENTIFICAVEL.

Tem gente que não se mostra.
Não se expõe.
Não se aproxima.
Não se mistura.
Não da sinal de luz.
Fica somente a margem.
No fluxo calmo da correnteza.
Flutuando no limite da água e da areia.
Balanceando nas ondas.
Se arranhando.
Como um objeto curioso e não identificável.

A PERIGOSA YARA

FRAGMENTOS DO CONTO: "DOZE LENDAS BRASILEIRAS" 
DE CLARICE LISPECTOR


Sim, mas houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava pescando e esqueceu-se de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi quando pensou: acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das sereias arriscadas — largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que adiantava fugir, se o feitiço da Flor das Águas já o enovelara todo? Lembrava-se do fascínio de seu cantarolar e sofria de saudade. A mãe do Tapuia adivinhara o que acontecia com o filho: examinava-o e via nos seus olhos a marca da fingida sereia.
Enquanto isso, Yara, confiante no seu encanto, esperava que o índio tivesse coragem de casar-se com ela. Pois, ainda nesse mês de florido e perfumado maio, o índio fugiu da taba e de seu povo, entrou de canoa no rio e ficou esperando de coração trêmulo.
Então a Yara veio vindo devagar, devagar, abriu os lábios úmidos e cantou suave a sua vitória, pois já sabia que arrastaria o Tapuia para o fundo do rio.
Os dois mergulharam e advinha-se que houve festa no profundo das águas.
As águas estavam de superfície tranquila como se nada tivesse acontecido.
De tardinha, aparecia a morena das águas a se enfeitar com rosas e jasmins.
Porque um só noivo, ao que parece, não lhe bastava.
Esta história não admite brincadeiras. Que se cuidem certos homens.

NA VELOCIDADE DA LUZ.


Semana passada eu estava na casa do meu filho e assisti da sacada, uma cena digna dos filmes de Fellini ou Vitório De Sica para um belo registro fotográfico. Um pai carregava numa velha bicicleta, seus dois filhos, para a escola. Conclui isto porque as crianças, uma sentada na frente e a outra atrás numa cadeirinha improvisada, levavam consigo pequenas mochilas penduradas nas costas.
A rua arborizada e com calçamento de pedras, alguns carros estacionados, completavam  o cenário para uma belíssima composição fotográfica, que correu tão rapidamente diante dos meus olhos, sem que eu tivesse tempo de pegar o telefone celular e ligar a câmera para um registro.
É, concluí que os milagres são únicos e correm na velocidade da luz.

Postagem em destaque

TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...