NÃO ERA DESTE MUNDO

Um corpo se juntou a o meu, na madrugada.
Deitou na minha cama e me abraçou do nada. 
Estava escuro e eu não quis me virar.
Não quis verificar.
Fiquei imóvel.
De olhos fechados.
Calado.
Coração acelerado.
Assustado.
Que desafio tão complicado.
Não quis saber quem me abraçou naquela madrugada
Tentando me aquecer. 
Me envolver.
Fiquei ali parado.
Apavorado.
Asfixiado.
Pensando que aquele corpo
 talvez não fosse deste mundo.

OLINDA- PERNAMBUCO

 “Ó linda situação para se construir uma vila”.



A HISTÓRIA:
Eu ouvi falar de Olinda ainda na escola, por uma professora nordestina que coincidentemente se chamava Olinda: Um lugar entre colinas, fundado por um fidalgo português, chamado Duarte Coelho, que tomou posse da região, quando está, ainda era habitada por índios, no período que foi instituído as capitanias hereditárias pela realeza portuguesa.
Olinda é uma das mais antigas cidades brasileiras, tendo sido fundada (ainda como um povoado) em 1535 pelo primeiro donatário.
Foi a cidade mais rica do Brasil -Colônia entre o século XVI e as primeiras décadas do século XVII, chegando a ser referida como uma "Lisboa pequena", dada a opulência, só comparável à da Corte portuguesa.


Depois de povoado, Olinda prosperou chegando a posição de vila e mais tarde invadida e depois  incendiada peles holandeses, nas disputas por terras. 
Olinda foi perdendo seu espaço para Recife, onde seus invasores se estabeleceram e prosperaram.
Muitas edificações foram saqueadas e levadas para Recife, localizada a 7 quilômetros de Olinda. Somente em 27 de janeiro de 1654, os holandeses foram expulsos e iniciou-se a lenta reconstrução da Vila de Olinda.




O QUE ENCANTA NA CIDADE:
Olinda até hoje desperta encantos, por apresentar uma arquitetura colonial com casinhas e sobrados coloridos, pois naquela época não era usado números nas residências, eram identificadas apenas pela cor vibrantes das fachadas.


As ruas sinuosas e estreitas são iluminadas por lampiões de luzes amarelas nas fachadas das casas, sem postes e com calçamentos de pedras, muitas retiradas do mar. Essas pequenas ruas descem colina a baixo e desembocam em praias de águas límpidas, morna  e cor esverdeada.


CENTRO HISTÓRICO:
Subindo a Ladeira Da Misericórdia, chega-se no seu centro histórico, onde é possível vislumbrar a beleza do mar, com algumas barreiras naturais e a cidade de Recife.
Foi no alto desta colina, que surgiu o nome da vila, a partir de uma exclamação feita por seu donatário Duarte Coelho: “Ó linda situação para se construir uma vila”.


Sua vida noturna e agitada, com muitos bares e restaurantes que disputam espaço no centro histórico e na beira-mar. Durante o dia, alem da maravilhosa praia, feiras de artesanato comercializam diversos trabalhos de artistas locais por preços acessíveis.


BASÍLICA DE SÃO BENTO:
É a igreja mais rica de Olinda, fundada em 1582 com um altar de madeira banhado de ouro 22. Este altar foi desmontado 2001 em 52 peças e levado para Nova Iorque, numa exposição que comemorava os 500 anos do Brasil. Possui também o quadro mais antigo do pais, mais ou menos 400 anos, em estilo renascentista com a imagem de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro.
Também é a unica igreja em que a imagem de Cristo fica virado para a rua e de costas para o altar. O Convento de São Francisco e suas quatro capelas com azulejos portugueses e a Igreja da Sé, de onde se tem a clássica panorâmica da cidade, tendo Recife e o mar como pano de fundo. 


Vale a pena também conhecer: O antigo observatório astronômico de Olinda, do século XIX, atualmente fechado sendo restaurado e transformado num Centro de Informações Turísticas.

MERCADO DA RIBEIRA:
Neste local eram presos e comercializados os escravos e hoje transformado num mercado de artesanato.




ELEVADOR PANORÂMICO E MIRANTE DA CAIXA D'ÁGUA DA SÉ:
Inaugurado no final de 2011, o elevador panorâmico e o mirante da caixa d'água da Sé de Olinda, são as mais novas atrações turísticas do Sítio Histórico. A 20 metros do solo, o mirante descortina uma visão de 360 graus de Olinda e do Recife, assim como o elevador. A viagem é R$ 5,00 e pode ser feita das 14h às 17h.
Listada pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, Olinda possui 22 templos católicos e 11 capelas de singular beleza par se conhecer e nunca mais esquecer.



CARNAVAL E OS BONECOS GIGANTES:
Uma das principais marcas de Olinda é o Carnaval e o desfile dos Bonecos Gigantes. Confeccionados de madeira, papel e tecidos, estes bonecos são conduzidos pelas ruas da cidade, animando os foliões. Um dos bonecos mais conhecidos e tradicionais é o “Homem da meia-noite”.
Estes bonecos são representações de importantes personalidades históricas do Brasil e do mundo. Políticos, músicos, atletas e artistas famosos são transformados, com muito talento e arte, nestes lindos símbolos do carnaval olindense.


Todos os anos, mais de um milhão de foliões participam da festa popular. São aproximadamente 500 grupos carnavalescos que desfilam pelas ruas, principalmente do centro histórico de Olinda desembocando na região dos 4 Cantos, uma encruzilhada formada por 4 ruas que se encontram. Além dos clubes carnavalescos, saem às ruas clubes de frevos, blocos, maracatus, troças, afoxés e caboclinhos.
Olinda é a mais antiga entre as cidades brasileiras declaradas Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela UNESCO, e foi o segundo centro histórico do país a receber tal título, em 1982, após Ouro Preto.
Tambem foi eleita a primeira Capital Brasileira da Cultura, após concorrer com as cidades de Salvador e João Pessoa.

Até o próximo passeio!

TUDO MUDOU.

Nada mais em mim responde aos teus apelos.
Nem minhas células,
Nem minha alma,
Nem eu mesmo, respondo.
Tudo mudou de rumo, pra outra direção.
Não tenho mais essa compulsão,
De fazer e ouvir reclamações.
Não te dou atenção.
Fechei meus ouvidos,
Meus olhos.
Minha atenção.

CIDADE TRISTE.


Quando caminho num dia cinza, como o de hoje, com chuva e vento frio me batendo na cara, árvores sacudindo nas calçadas e pessoas em silêncio seguindo seu rumo, sinto cruzar as fronteiras de um filme mudo, que ficou lá para traz, em algum lugar esquecido do pensamento.
Vem a saudades de um poeta que se foi, de uma praça que se esvaziou, de uma rua que não sei onde vai dar, nesta cidade tão triste que os grafites tentam alegrar.

TESTOSTERONA.

Existe um homem que há nos homens, 
que desperta alguns sonhos, 
que libera certos hormônios,
com cheiro desconhecido, 
mas familiarizado aos mais íntimos sentidos.

Existe um homem que há nos homens, 
Que de tão quieto, não é notado, percebido.
Que de tão forte, é vigiado, perseguido.
Que de tão belo e audaz é temido.

Existe um homem que há nos homens,
camuflado de resistências,
que não se dobra a insistências,
 Que pra ser conquistado,
somente com muita
Paciência.

COM MEUS BOTÕES

Neste jogo em que algumas pessoas se submetem a viver como gladiadores não para manter sua acuidade de sobrevivência, mas a vaidade pessoal, nada pode lhes garantir uma soberania para toda a sua existência.
Ingênuos são os que acreditam nisto. São apenas peças manipuladas por um jogo maior de interesses e vaidades que logo perderá sua funcionalidade e também irá cair. 
É inacreditável as pessoas não perceberem que o que é novo hoje, se torna velho amanhã e como diz a musica do Belchior: "O novo sempre vem..."

PANDORA E GIRALTO

Te levanta, abre a porta.
Nada aqui nos conforta.
Nada ilumina ou da cor ao teu olhar , nem ao meu.
O que te prende aqui, não sou eu.
Acenda a luz por favor.
Já é tarde, ainda não amanheceu.
A casa está vazia e só reflete sombras. 
Só falta nós abrirmos a porta e sairmos sem alardes.
Os outros já se foram.
Nosso tempo se esgota, nos derrota.
Te levanta, abre a porta, acenda a luz.
Transportemo-nos para além deste sofá vermelho e das paredes cinzas.
Talvez num outro lugar, encontremos guarida entre alamedas floridas.
Há nas Dálias, Rosas, Lírios, Hortênsias, partes de nós, esparramados entre raízes que brotam no meio das pedras, na mata, nos rios, nos caminho das estradas altas da serra de outro mundo.
A luz virá natural, como um eclipse, numa noite de Natal.
Te levanta, abre a porta.
Vem.
Quem sabe partir, seja o nosso presente.
Nos alimentaremos de luz e néctar.
Passearemos de mãos dadas.
Tu Pandora e eu Giralto.

RACIOCÍNIO COMPLEXO


É preciso paciência para entender este raciocínio complexo:
O que se perde é o que se ganha. 
O que parece menos é mais. 
E o profundo é tão raso, que podemos atravessar a pé,
sem medo de nos afogarmos.

VENUSTO.

Não, eu não sei falar bonito ou dar grandes opiniões. Não sei lidar com as palavras, assim como muitas mulheres daqui, que passam a maior parte da vida, na beira do riacho lavando, ou na frente do fogão cozinhando.
Só sei, é que perto da hora em que tu chegas do trabalho, cansado, preparo o que aprendi de minha avó, que também ensinou minha mãe, sem muitas palavras.
Corto as cebolas que tenho, esmago todas as cabeças de alho que perfumam a casa, quebro os galhos de alecrins, louros e outras ervas que colho do mundo e jogo no cozido,  alvoroçando toda a vizinhança.
Sirvo-te em silêncio, com arroz soltinho, na mesa arrumada sem assuntar, por que não tenho palavras bonitas e de grande importância pra dizer.

QUE NÓ É ESTE.

Que nó é este, 
Que não se desfaz.
Que tanto aperta,
E se refaz.

Que me tira o sono,
Que me desperta
Que me completa
E me repleta.

E de repente me esvazia 
A qualquer hora do dia.
E não estia.
Me fatia.

E dá uma dor, 
Uma nostalgia,
de certas coisas que eu nem sabia

Que nó é este
Que me sufoca,
Desaparece e logo volta.
Retorna com tanta energia
E me desafia.

SABIÁ.

Sabiá que canta,
que me transplanta do sono,
que me desperta antes da luz clarear,
do dia chegar.

Sabiá escondido, no arvoredo,
o gato malvado quer te pegar.
Atrevido,
exibido,
não para de cantar e
querer me fazer acordar,
me levantar,
me preparar,
para ir trabalhar.

CONVITE FEITO

Apenas uma mensagem
e tua curiosidade se acendeu. 
Respondeu.
Apareceu.
Veio ao meu encontro todo molhado.
Cansado.
Desconfiado.
Sabendo que deveria ficar.
Arriscar.
Ficou. 
Tentar o que nunca tinha feito. 
Se embaraçar. 
Se questionar
Até chorar.
Correr o risco.
Feito corisco
Se mostrar.
Sem se anunciar.

DA GIRA

Uma reza.
Uma oração.
Uma canção.
Despeja tanta emoção.
Bate em meu coração.
Saia rodada.
Perfumada.
Transfigurada.
Bonita.
Transita.
Incita.
Dança como se não dançasse pra ninguém.
Colar de contas. 
Temperado com cachaça e dendê.
Não posso morrer.
Tenho que viver para ter
neste ilê


"Numa tarde, quando eu vi pombas Giras voando, girando, dançando."

ACALANTO.

Deita
O sono já chega
E o corpo cansado
Quer se aconchegar

Dorme
A noite é tão pouca
E o dia já volta
Pra te despertar

Lia, cozinheira e babá
Rita faz amor pra viver
Clara que trabalha por dois
Nina que nem sabe o que fazer

Se amanhece o sonho se vai
Mais um dia pra se viver
Vidas que o destino constrói
Ilusões que o tempo vai varrer

Nina sonha já ser mulher
Rita quer um vestido de outra cor
Clara sonha um tempo de paz
Lia quer sonhar com seu amor

Dorme
Que amanhã é tempo
De recomeçar


Esta musica de Mario Gil, interpretada por Monica Salmaso é uma das coisas mais bonitas que já ouvi nos últimos tempos. Linda, linda. feminina, sensível.

CANÇÃO V

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada no entendimento de tua mãe e irmã.
A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido.
E o que tu dizes nem pode ser cantado porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor

Hilda Hist./ Zeca Baleiro.

CALIFÓRNIA DAQUI.

Califórnia daqui, underground.
Usa o skate de tapete.
 De manhã milk shake.

Revigora.
Se isola.
Ignora.
Às vezes aparece,
Tocando viola.
Olhos de mau,
Radical,
Não intencional.

Olhos rasgados.
Puxados por um risco atravessado,
Desenhado.

Tesoura na mão.
Cabelos no chão.
Transformação.

Tufo dourado na cabeça.
Coroa com certa estranheza,
Diferente beleza,
Uma certa tristeza.
Flecha veloz nas plataformas de rua,
Nos corrimões,
No concreto armado,
Descolado,
Arremessado.

Não sofre nenhum arranhão.
Presta a atenção.
Apenas a sensação,
Que tem o mundo nas mãos.



TRUNCA


Sempre que repetia os erros, 
Sentia que melhorava.
Então não rebatia,
Não refletia,
 Só insistia na rebeldia.
Persistia nos erros, até chegar aos acertos,
Mesmo com alguns defeitos
E assim fazia a maquina funcionar,
Truncar,
Incendiar,
Ate tudo se ajeitar,
Se arrumar.
Mordia os lábios ate sangrar,
Depois voltava a teimar.


FERIADO NACIONAL

Quando levantou da cama, ao amanhecer, o dia parecia sombrio. O sol pouco evidente, espalhava seus filetes de luz, por entre as arvores, na rua ainda deserta de gente e sem automóveis barulhentos.
Não sabia ao certo, o motivo daquela sua primeira impressão, mas percebeu folhas avermelhadas, nos galhos de pitangueiras e um gato branco, sentado num muro grafitado.
O dia, particularmente aquela manhã, lhe parecia mais lenta que o normal. Nada intencional, mas com aquela cara de feriado nacional.

SANGUE NAS VEIAS.

As veias das mãos e dos braços, turgiam quando ele fazia alguma força, ou movimentava o volante do Cadillac azul para leva-la a passear.
Ela observava-o perfumada, no banco de traz, com discrição e controle de seus impulsos, para não tocar com a ponta dos dedo aquelas mãos e braços e sentir a intensidade com que o sangue corria dentro delas, quente e vermelho.
Haveria muito mais a ser percebido sobre seus  secretos sentidos, não fosse esconder os olhos, que se perdiam na direção da rua, um tanto envergonhados, olhando a paisagem passar.

O GRANDE URSO CHAMADO NITAMARA

Certa noite, uma mulher, engoliu um grande urso. Sem saber ao certo se era sonho ou fantasia da sua imaginação, tentou esquecer daquele fato bizarro e levar a sua vida normal, ate que percebeu, que com o passar do tempo, foi adquirindo certos hábitos e desejos que lhe despertavam uma força, que jamais tivera antes.
Às vezes lembrava em rápidos lampejos, daquilo que parecia um sonho incomum, mas sonhos eram apenas sonhos, porque desperta-los?..
Mas o grande urso engolido, usando de sua inteligencia e força, disfarçado no corpo de tão frágil mulher, decidiu despertar e caçar alguns homens que estavam perdidos na floresta das sombras. 
Juntou-os num mesmo lugar, livres e sem trancas e lhes deu um espaço onde pudessem criar, reconhecer suas almas e assim expulsar seus próprios demônios.
E esses homens então, ainda tímidos, desconfiados, começaram a cantar e a tocar chocalhos como índios, a dançarem em círculos feito galinhas, a declamarem  poesias como Castro Alves, nos seus manifestos abolicionistas.
O que parecia uma desordem, virou uma festa, uma reflexão, uma contestação, uma revolução.
Tambores e cânticos eram ouvidos a uma longa distancia, por outros homens que se aproximavam curiosos.
Há de se pensar nestes homens resgatados, como uma provação e na floresta das sombras como uma prisão e o urso a libertação.
A frágil mulher, talvez desconhecesse que seu nome Nita, que lhe fora dado ao nascer, significava grande urso e Mara, desordem, guerra, revolução.

Este texto é uma homenagem a uma das incentivadoras da cultura em Viamão. Niltamara. Nita: Significa grande urso. Mara: guerra, desordem, revolução.

CANTIGA DE NINAR.


Solidão era uma poeira leve, que lhe cobria a cara. E quando o mundo girava, jogava em seu colo pedaços irregulares de sofrimentos, que adormeciam em seus braços, feito crianças frágeis e abandonadas.
Às vezes seu olhar se distanciava para as mais profundas incertezas. Mas o mundo lhe confidenciava segredos, com a mesma brutalidade que lhe arrancava pedaços. 


AS TRAPASSAS DA MORTE.

A morte observava-o a vários meses, mantendo um discreto sigilo. Vigiava tudo o que ele fazia, seguia seus passos, lia seus pensamentos e às vezes até deitava do seu lado, quando chegava do trabalho  e se jogava na cama morto de cansado .
Pensava em levá-lo mesmo sem qualquer justificativa e gozando de boa saúde.
Mas aquela espinha que lhe sairá no rosto, na semana passada, talvez rendesse um bom motivo...

NO TEMPO DAS EXPECTATIVAS.

O olhar dela para ele, não era só de admiração, mas de uma grande expectativa e de um possível namoro promissor, com fantásticas experiencias inovadoras a serem descobertas juntos.
Sempre que podia, corria ao seu encontro, disponibilizando tempo e atenção.
O olhar dele era fugitivo e rebatia em paredes vazias, como quem tinha dúvidas se seguia em frente numa aventura de pouco interesse e futuro incerto.
Ela imaginava horas e horas de papo cabeça sobre os lençóis úmidos pelo entardecer da madrugada. 
Ele queria apenas ficar sozinho e comer bergamotas ao Sol do outro dia.

O MISTÉRIO DAS JANELAS

Carregava dentro de si o mistério das janelas que se abriam e se fechavam para o mundo. Isto era para ele, muito significativo. Janelas velhas, coloridas, quebradas, desgastadas pelo tempo, lhe chamavam a atenção de uma forma peculiar e por vezes incompreensível.
Em cada uma, um mistério a ser revelado, uma historia a ser contada, talvez um segredo a ser mantido com as tampas fechadas.
Em criança, queria saber o que se escondia por traz delas, depois de algum tempo, o que acontecia do lado de fora. Janelas lhe pareciam, um portal de descobertas a serem desvendadas.

IRMÃS GÊMEAS.

A verdade e a mentira são como duas irmãs gêmeas atraentes e com suas antagônicas personalidades, que se completam sobre as atitudes e inclinações humanas.
Que desconhecida força, lhes dão tamanho poder?
A verdade tem suas pequenas mentiras camufladas...
A mentira, algumas verdades saborosas...

O VOO DO DRAGÃO.

Ele ficava sempre ali, na mesma esquina, a mostra, aguardando eu passar, como um dragão pronto para me rasgar a pele, lamber meus ossos, me devorar.
Algumas vezes ficava pendurado num andaime, entrelaçado em cordas, disfarçado com um uniforme, um capacete de proteção, para que eu, de longe, percebesse seu jogo, suas atrevidas investidas, seu olhar de fogo que me vigiava, que tentava buscar o meu ainda assustado, inibido, preocupado de ser ferozmente aniquilado.
O medo me consumia, mas algo em mim, já havia sido dominado, pois não conseguia desviar a rota. Fazia o mesmo trajeto, tremula, sentindo seu fogo chegar em mim, me queimar as coxas, o ventre, até terminar-me em cinzas.
Quando enfim nos encontramos, pude sentir que estava perdida. Sua pele áspera, suas garras que me marcavam as costas, seu abraço forte de dragão que me envolvia, me fizeram voar sobre os continentes mais distantes.

POEMA PARA SÔNIA.

Com Sônia, os amigos cantam, dançam e declamam poesia.
Sua alegria se transforma em energia, se espalha, contagia.
Na casa de Sônia os pássaros adormecem nos entre laços de uma trepadeira.
Parece besteira, rotineira.
Coisas de feiticeira.
Seus olhos falam e encantam.
E quando canta:
De seus lábios escorrem boleros, fados, samba-canções.
Sônia é mais que poesia é alegria e dedicação.
Mesmo na contramão.
Nas ruas sombrias de Viamão
Onde se ouve suas canções
É o rodopio dos piões, que descobrem uma nova direção.
É o mistério dos pássaros que gorjeiam na vertical.
É sensacional.
É as páginas de um livro,  que a brisa decidiu revelar,
sem nada ocultar, perpetuar.
Sônia é arte.
É estandarte.
É a sabedoria do coração.
É vibração.
A mais pura emoção.



NOITE DE MACUMBA.

De longe, ouço um sino tocar com delicadeza em meu coração.
Na noite escura, mulheres com saias rodadas e coloridas, surgem cantando e acedendo velas. Também depositam tigelas de barro enfeitadas, na esquina vazia.
Parece haver uma festa com farta comida e bebida.
A estas horas da madrugada, poucos veículos circulam e os que passam, andam de vagar ou tentam desviar sua rota.
Gritos e sussurros, é ouvido.
A esquina vira um mundo, fora deste mundo.
Os que caminham por perto, desavisados, se sentem temerosos com o que poderão ver ou sentir, nestas noites em que coisas invisíveis estão a solta na esquina.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES.

Um jovem caminha na rua, com uma grande mochila presa nas costas. 
Ele vai ou vem de algum lugar... 
Do outro lado da rua, um idoso, com seu cão de estimação preso a uma guia, caminha no sentido contrario. 
Ele vai ou vem de algum lugar...
Eles se cruzam sem nada dizer um a o outro.
Eles vão ou vêm de algum lugar...
Isto cria alguns pontos de vista neste texto, que não cabem explicações, mas que levam para algum lugar... 
Será que isto tem alguma significação importante, alem de um cronograma de atividades?
Tudo vai ou vem de algum lugar.

ALMAS GÊMEAS.

Existem algumas facetas minhas impregnadas em ti, que ao te encontrar por acaso, ou não, percebo no teu olhar, nos teus gestos, nas tuas atitudes mais cruas. São pedaços de mim, da minha carne, dos meus ossos e nervos espalhados em ti, feito um remendo costurado com finas artérias, que pulsam e reagem aos incômodos da alma que também parece minha.
Dores, alegrias, inevitavelmente compartilhadas em corpos diferentes, mas cuja a alma se parecem similares, noutros momentos tão desiguais.
Alguns atitudes tuas, me levam a embriagues da alegria, outras a uma certa angustia natural de quem se vê e carrega certas culpas que não são de nossa inteira responsabilidade.
Beijar-te, é beijar a mim mesmo no espelho, com certa estranheza. Contrariar-te é dar as costas ao que sou.

A DANÇA DA LAGRIMA

A lagrima lhe caiu do olho e foi descendo pelos frisos do rosto até o canto da boca, como se tivesse vida própria. Seguiu dançando livre como Isadora, sobre o pescoço, a caminho dos seios, atravessou a barriga e umbigo, onde definitivamente parou, formando uma poça salgada.
Há certos balés da vida, que não admitem testemunhas oculares!.. Isto só é possível perceber com muita atenção e olhos fechados.

VINGANÇAS INOCENTES.

Sentia algumas vezes, que era alvo de pequenas e ardilosas vinganças, promovidas por algumas pessoas, mas daquelas vinganças sutis e disfarçadas de atitudes inocentes, cujo o objetivo não era o de destruir, mas de jogos de força ou alguma lição silenciosa de perspicaz intendimento.
Surgiam a o acaso, em doses pequenas, que  em certos momentos pareciam não ferir, mas noutros, surtir um angustiante sentimento de culpa a ser tratado.
Seria por tudo o que não deu certo e pelo tempo que foi perdido?
Já havia experimentado isto, com outras pessoas, o que o fazia repensar sobre te-las do seu lado, no pouco que lhe restava de vida.

OBJETO DE AZAR

Semana passada o corpo de um jovem assassinado, foi encontrado na calçada da rua do lado. Os vizinhos todos comentavam nas redes sociais aterrorizados com a violência que começa a chegar na porta de suas casas. Talvez a vitima não tivesse sido morto ali, mas noutro lugar e depois desovado na rua escura, que muitos passam e temem por assaltos.


Dos pertences da vitima, sobrou um par de tênis, esquecido, jogado na calçada, que ninguém tem coragem de descartado-lo num saco de lixo. Ficou meio que amaldiçoado, um objeto que pode atrair coisas negativas. Sei lá o que as pessoas pensam. 



MARAS, VALE SAGRADO DOS INCAS.


Maras é uma cidade que parece um vilarejo no Vale Sagrado dos Incas, no Peru, a 40 quilômetros ao norte de Cusco. A cidade é conhecida por suas lagoas de evaporação de sal, suas casas e a igreja,  que parecem uma grande escultura de argila vermelha feitas à mão, perfiladas em ruas estreitas da mesma cor. 


As pessoas que nela vivem, são de aspecto simples e te observam como se tu viesse de um planeta distante, até cumprimenta-las com um simples movimento de cabeça ou um sorriso de simpatia. Não puxam conversa a toa, mas respondem expressivamente ao primeiro contato.
Idosos sentados na calçada, crianças com trajes típicos ou uniformes escolares, desfilam pelas ruas empoeiradas dando seguimento a suas rotinas.
Maras te reporta a solidão de viver num lugar parado no tempo e de beleza impar. É também o caminho para as Salinas de mesmo nome e o sitio arqueológico Moray, uma especie de estação de experimentação agrícola, até hoje não comprovada.

FÚCSIA.

Abriu a porta e saiu sem dar explicações de onde ia, caminhava na ponta dos pés, pelo corredor do edifício, como se não quisesse chamar a atenção. 
Cruzou a rua parecendo em fuga e foi de encontro a ele, que não tinha rosto dentro do carro de janelas escuras.
Da sacada, alguns curiosos a observavam silenciosos, o que parecia ser o seu mais recente segredo.

PRENÚNCIOS DA NATUREZA.

Um vento brando movimentava as arvores daqui, perto de casa, numa tarde ensolarada, em que homens gritavam em suas praticas esportivas, crianças corriam e cachorros latiam. De repente o vento soprou mais forte fazendo com que as arvores se inclinassem mais do que o normal. Delas saíram pequenas partículas flutuantes, que ao se aproximarem dos meus olhos, percebi tratarem-se de plumas de pássaros que levitavam no ar, indo para o leste. Os pássaros começaram a voar de todos os lados alvoroçados.
Este deve ser um acontecimento corriqueiro da natureza, que quase não percebemos, porque nossos olhos estão voltados para dentro, à espera de outras transformações, pensei. A desatenção,  nos faz perder certos prenúncios ocasionais de mudança. A chuva caiu impiedosa, minutos depois, parecendo que iria acabar com o mundo.

CUIDADOS REDOBRADOS.

Por alguns instantes, percebeu-se entrando em zona de conflito interno, que inúmeras vezes não conseguia controlar, disfarçar. Iniciava com uma certa tensão, que ia tomando-lhe o espaço até não conseguir mais respirar, deixando-o em completa desordem.
Longe de casa, do seu mundo particular, afastado de amigos, que lhe proporcionavam algum conforto e segurança, era possível relaxar, se mostrar e até cantarolar alto, errando as letras; Mas ali, cercado daqueles estranhos cordiais, cheios de sorrisos e gentilezas, não era possível ser ele mesmo e mergulhar em voos rasantes de suas verdades, era necessário redobrar cuidados e atenção, inclusive de si mesmo para não se trair.

PRENUNCIO DE DIAS PIORES


Às vezes, perdia-se de si, esquecia quem era e pra onde estava indo. Não reconhecia as pessoas, as ruas, os prédios, os cheiros que compunha a cidade, agora transformada num mundo estranho a sua volta. 
Perdia o norte e ficava girando feito uma bussola desorientada, ate encontrar um refúgio, uma porta fechada, uma parede que lhe parecesse sólida, para também apoiar-se e esticar as costas tensas que doía.
Forçava por alguns momentos, lembrar-se do objetivo que tinha, quando levantou da cama tão certa de si, trocou de roupa e ganhou a rua de cabelos soltos, boca pintada, com algum propósito debaixo do braço e uma certa apreensão contida.
Era somente disto que lembrava?..
Desconfiava que estava a beira de um colapso, pois não era possível aqueles esquecimentos repentinos, que a despersonalizava, deixando um grande vazio da sua existência e preenchidos pelo barulho desenfreado da cidade.
As pessoas olhavam-na como se percebessem que algo estava errado.
Sua cabeça girava e transformava suas lembranças num monte de pó, a se perder no vácuo.
Algo de pior estava por vir, pensava apreensiva enquanto caminhava sem rumo. Os esquecimentos eram algum prenuncio de dias muito piores a lhe surpreender.

DUETO DE CORDAS.


Quando ele passou distraído, sem perceber que estava sendo vigiado, ela escondeu-se entre os eucaliptos sem perde-lo de vista. Pensou consigo mesma, enquanto observava-o se distanciar:
Homens tem o caminhar firme e um cheiro próprio de homem que não conseguimos definir. Pele áspera, pelos que arranham na hora do carinho.
Reproduzem um som de violoncelo quando estão parindo poesia a o seu modo, em nossos ouvidos.
Dão-nos uma certa dor que temos que suportar quando se entregam e mostram seus segredos de dominação natural.
Pra nós, fica a habilidosa tarefa de tocar violinos sem desafinar a musica.

CONVITE INOPORTUNO.

Logo agora que eu não tenho força para subir montanhas.
Olhos para enxergar o horizonte.
Agilidade nos braços para nadar em teu lago, 
que me estendes a mão, num convite simpático?
Ah, este convite demorou demais.
Mais do que a própria vida. 
Envelheceu os anseios e chegou tarde demais...
Agora quero voar  nestes céus que inventei 
e descansar na fragilidade das nuvens. 
Caminhar na beira dos abismos, sem medo de cair.
E se acontecer de cair, saio por aí voando.
Planando.
Levitando na minha própria sorte.
Esta mesma, que te tornou distante...

SOMBRA DISTORCIDA.


Por aqui, nada de novo acontece é somente eu, eu e eu, de cara estampada nas manchetes da minha imaginação e que vou alimentando com argumentos vil, para me penalizar, me vitimar, me tornar impotente, vulnerável e sem forças.
Aprendi a bater de frente com desencontros, a tropeçar em duvidas. 
Me perco, me acho, me escondo, me excluo de toda a culpa, de todas as responsabilidades pra não mostrar minhas fraquezas.
Me transformo num disco arranhado repetindo sempre a mesma coisa: Eu, eu e somente eu, a buscar-me, a achar-me, a desencontrar-me, a perceber que tudo é o mesmo, que nada mudou e que não tenho nenhuma estratégia eficiente para sair desta angustia.
Sou uma sombra distorcida como muitos, disputando um pedacinho de luz.

NADA É MELHOR QUE A TUA AUSÊNCIA.


Descobri hoje cedo, ao levantar-me da cama, com grande surpresa, que nada por aqui é melhor que a tua ausência. Esta mesma ausência que tanto me frustrou e me delegou poderes de aprisionar minha própria alma e a tua.
Foram tantas brigas, insinuações, lamentos e tentativas de perdão que não foram possíveis.
Levantei cedo sob o silencio da casa, abri janelas e gavetas, arrastei cadeiras, coloquei um disco para rodar na vitrola e me senti liberta de certos apegos e sortilégios desnecessários.
Depois de tantos meses quieta, sem desentendimentos e magoas, estou aparentemente curada, sentada em paz e apreciando uma xícara de café, como a muito tempo não apreciava.
Há na vida certas surpresas: Contraímos dores, que de uma hora para a outra, desaparecem inexplicavelmente ao levantarmos da cama e descobrir que nos bastamos.
Faltam agora, passarinhos pousarem na janela.

O ANOITECER NA ILHA.


Ele apoiou os braços na janela, para observar o Pôr do Sol, que lhe perecia particularmente com uma luminosidade diferente dos outros fins de tarde que costumava ver e por alguns instantes, desconfiou que ela, em sua casa, também pudesse estar debruçada na janela, assistindo este mesmo espetáculo, que ele contemplava com surpresa.
Pensou que talvez necessitassem naquele momento, estarem juntos, lado a lado, assistindo toda aquela beleza, contradizendo este mundo da pressa e dos compromissos inadiáveis, para assistirem aquele Sol e  comentarem tudo à respeito.
Por outro lado, sua timidez impedia-o de pegar o telefone, de mandar uma mensagem, pois o motivo lhe parecia tão bobo e sem sentido.
Percebeu que estavam quase sempre indisponíveis e que talvez algumas ausências provocadas por alguns compromissos, fossem responsáveis pela falta de coragem de fazer um convite daqueles.
Então ele ficou no mesmo lugar, com os cotovelos já doloridos, apoiados na janela, observando o sol se ir, a cidade aos poucos escurecer, com a sensação de estarem juntos, mas também separados, cada um na sua janela, mudos, sensibilizados, incomunicáveis, na mesma ilha que anoitecia.

A GENTE SE ACOSTUMA

Encontrei este vídeo por acaso, na pagina do Facebook de uma amiga. Palavras que devem ser ouvidas para uma reflexão profunda sobre nossas atitudes diante da vida e de nós mesmo: "A gente Se acostuma"

TEMPOS MODERNOS


Então eu embarquei numa outra nave e me distanciei, sem olhar pra traz. Não quis ficar ali aguardando a decisão de quem possivelmente me acompanharia, pra aqueles mesmo destinos desconhecidos que sempre busco e me transformo em outra pessoa...
Todos ficaram sentados ali, na ante-sala  de luz moderada, aguardando a decisão que não vinha de ninguém, pois todos se mantinham em silêncio, cabeças baixas, distraídos, a procura, talvez de sonhos, aplicativos que os mantivesse meio vivos, meio alegres, despreocupados.
Os dedos ágeis e o olhar fixo numa telinha luminosa, os hipnotizavam e os transformavam em raros robôs de expressões humanas, que não sabiam o rumo a tomar, nestes tempos que se parecem tão modernos.

COMUNICAÇÃO CARICATURADA.


Fiquei fingindo naturalidade, depois, fugindo o tempo todo pelos cantos do apartamento, com uma certa inibição de quem descobre-se deslocado por estar no lugar errado e na hora equivocada.
Em cada lugar que eu me acomodava, para aliviar aquela sensação desagradável, ela vinha e sentava-se do  meu lado, com o telefone celular entre os dedos, forçando presença.
Mantinha-se quase que em silencio, quebrado apenas por algumas frases soltas de atenção a mim, retomando o assunto interrompido. Em seguida voltava-se para o aparelho, que lhe fazia alterar a expressão do rosto significativamente.
Por outro lado, fiquei pensando!!..
Tem pessoas que acreditam ser possível administrar com naturalidade uma atenção coletiva, tratando de assuntos diferentes ao mesmo tempo, sem prejuízos de outros, mesmo desviando o foco e promovendo uma comunicação caricaturada e confusa.
A sensação que me dá, disto tudo, é que o corpo está presente, mas a alma, expressada no rosto, fica escondida por de atrás de mascaras de teatro grego, que vão sendo trocadas a cada momento necessário. Num minuto é a tragédia, noutro é a comédia, intercalados por qualquer coisa vaga.

OBJETO NÃO IDENTIFICAVEL.

Tem gente que não se mostra.
Não se expõe.
Não se aproxima.
Não se mistura.
Não da sinal de luz.
Fica somente a margem.
No fluxo calmo da correnteza.
Flutuando no limite da água e da areia.
Balanceando nas ondas.
Se arranhando.
Como um objeto curioso e não identificável.

A PERIGOSA YARA

FRAGMENTOS DO CONTO: "DOZE LENDAS BRASILEIRAS" 
DE CLARICE LISPECTOR


Sim, mas houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava pescando e esqueceu-se de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi quando pensou: acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das sereias arriscadas — largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que adiantava fugir, se o feitiço da Flor das Águas já o enovelara todo? Lembrava-se do fascínio de seu cantarolar e sofria de saudade. A mãe do Tapuia adivinhara o que acontecia com o filho: examinava-o e via nos seus olhos a marca da fingida sereia.
Enquanto isso, Yara, confiante no seu encanto, esperava que o índio tivesse coragem de casar-se com ela. Pois, ainda nesse mês de florido e perfumado maio, o índio fugiu da taba e de seu povo, entrou de canoa no rio e ficou esperando de coração trêmulo.
Então a Yara veio vindo devagar, devagar, abriu os lábios úmidos e cantou suave a sua vitória, pois já sabia que arrastaria o Tapuia para o fundo do rio.
Os dois mergulharam e advinha-se que houve festa no profundo das águas.
As águas estavam de superfície tranquila como se nada tivesse acontecido.
De tardinha, aparecia a morena das águas a se enfeitar com rosas e jasmins.
Porque um só noivo, ao que parece, não lhe bastava.
Esta história não admite brincadeiras. Que se cuidem certos homens.

NA VELOCIDADE DA LUZ.


Semana passada eu estava na casa do meu filho e assisti da sacada, uma cena digna dos filmes de Fellini ou Vitório De Sica para um belo registro fotográfico. Um pai carregava numa velha bicicleta, seus dois filhos, para a escola. Conclui isto porque as crianças, uma sentada na frente e a outra atrás numa cadeirinha improvisada, levavam consigo pequenas mochilas penduradas nas costas.
A rua arborizada e com calçamento de pedras, alguns carros estacionados, completavam  o cenário para uma belíssima composição fotográfica, que correu tão rapidamente diante dos meus olhos, sem que eu tivesse tempo de pegar o telefone celular e ligar a câmera para um registro.
É, concluí que os milagres são únicos e correm na velocidade da luz.

APENAS O ÓBVIO


Sabe aquela foto MARAVILHOSA que um conhecido ou desconhecido bateu com ou sem pretensão e que te causou problemas com o namorado, o amante, o marido, o ficante, quando chegastes em casa? Ou mesmo aquela que ao chegar em casa solitariamente, te surpreendeu e fez você pensar, mas sou eu mesma?.. Ela é a constatação do óbvio, é o olhar de uma outra pessoa, capaz de capturar ângulos, sombras e revelar notoriamente pequenos detalhes, que a maioria não vê, nem mesmo você.


A fotografia possui esta magia reveladora de que podemos ser outras pessoas paralela ao que acreditamos ser e que transmitimos aos outros. Ela captura sombras, luzes, nuances, que a velocidade dos gestos, do olhar tornam-se imperceptíveis por outras expressões. Existe muita beleza em nós, ainda inexplorada e pouco conhecida que são vistas somente através de um clic revelador.

SEMPRE TEM ALGUÉM QUE NOS VIGIA DA JANELA.


Se cria na gente, um estado de excitação muito grande, ao roubar uma imagem sem pedir permissão, sem que a pessoa veja que está sendo fotografada. Roubar no bom sentido, o que às vezes funciona, noutros momentos não!..
Tu tá de bobeira, em algum lugar público, com uma câmera fotográfica na mão, que chama muito a atenção, ou com o celular e de repente surge a imagem na tua frente pronta, te pedindo para ser registrada. Então tu corre contra o tempo, liga a câmera, arruma o foco, verifica ângulos e a o mesmo tempo, tenta não ser visível ou pelo menos discreto, para não ser descoberto na invasão.
Mas daí é que vem aquela pergunta: O que é de domínio publico ou privado, quando se está numa rua, cercado de centenas de outras pessoas em atitudes comuns?.. 
O certo é que sempre tem alguém, que discretamente nos vigia na multidão ou de alguma janela!.

MEDO DE MORRER PELOS PÉS.

Já devo ter falado aqui no blogue, que existe três coisas que gosto de fazer, viajar, fotografar e contar histórias. Então vou contar uma que lembrei agora: Um amigo que já partiu deste mundo a alguns anos, sempre teve medo de morrer pelos pés. Dizia pra mim, que deitaria na cama, com os pés apoiados sobre travesseiros, na direção de uma janela entre aberta e algo, uma força desconhecida, tragaria seu corpo por inteiro, começando pelos pés. Pensava nisto com alguma frequência e acreditava nesta fatalidade, que fazia-o se prevenir, dormindo sempre com os pés encolhidos e protegidos pelas cobertas. Vai saber!..


Quando soube de sua morte, alguns anos depois, pensei nesta história, mas logo fui informado que tivera um AVC, num quarto de hospital, onde permaneceu por três dias e depois sucumbiu. Também fiquei pensando se no momento em que tentava convalescer da doença, poderia estar com os pés desprotegidos e na direção de alguma janela.

A COR DESTA CIDADE SOMOS NÓS

foto by  Eurico Salis
A cor desta cidade é cinza, uma mistura de todas as cores vibrantes que já não enxergamos mais. Sua voz é o ruido dos motores, dos buzinaços, das freadas, xingões, tiros, dos vendedores ambulantes gritando, de gente falando alto ao celular, chorando baixinho, uma profusão de sons e cores que produz sua própria identidade.
A gente também contribui e faz parte disto, na intenção de ser ouvido, de ganhar um voto de atenção que é rapidamente dispensado, esquecido. Somos co-responsável por este caos.


GESTOS DE PREGUIÇA E OBSCENIDADE INCONSCIENTE

Depois que desperto, volto a deitar na cama. Troco os dias pela noite, Ponho a cabeça onde coloco os pés, os pés onde descanso a cabeça. 
Gosto dessas inversões extravagantes em que submeto meu corpo cansado, onde contrario costumes, regras e horários; De experimentar ângulos diferentes, de inverter, perder toda a noção do espaço que ocupo, de me alongar, de esticar e encolher os músculos em exercícios de liberdade, preguiça e obscenidade inconsciente.


PIMENTÕES VERMELHOS


Sonhei que caminhava de braço dado, com uma amiga, numa grande plantação, dentro de um condomínio de apartamentos na cidade, onde encontrava-se além de uma variedade de verduras, flores e frutos, pimentões vermelhos.
Os pimentões eram enormes e de proporções anormais e por isto me chamavam a atenção, enquanto caminhávamos e falávamos sobre a vida, sobre as relações que não se acabam, as que são conturbadas, e as que rapidamente são esquecidas. Era uma conversa animadora e estimulante, embora ela tivesse menos da metade da minha idade. Falávamos também sobre os embustes da emoção, dos sentimentos que se perdem, dos que camuflamos no coração e nos arrependemos mais tarde.
Mas os pimentões enormes e vermelhos, não saiam do meu campo de visão, durante o sonho, na conversa animada e depois que acordei. Não saiam da minha cabeça.
Que  relação tinham os pimentões naquilo tudo, pensei com meus botões. Será que é por que pimentões lembram de corações?.. Não sei!

A POUPANÇA BAMERINDUS CONTINUA NUMA BOA

"O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus continua numa boa". Esqueci que muita gente não conhece este jingle da década de 90, alguns nem eram nascidos. Mas eu vivi esta época e quase sempre me lembro dele, quando percebo que certas coisas na vida não mudam, continuam sempre do mesmo jeito, estáticos e sem qualquer alteração profunda. 
Isto também vale, pra pessoas do nosso meio de relações, que a gente acredita terem mudado na sua essencial, com a modernidade, com a evolução de alguns costumes e que nada.., continuam pensando ou pelo menos agindo da mesmas forma, pra nossa decepção. O discurso é um e a atitude é outra. Talvez a culpa não seja deles, mas da gente que investe numa mudança que nunca aconteceu.

E AGORA JOSÉ?

           


    E agora, José? 
    A festa acabou, 
    a luz apagou, 
    o povo sumiu, 
    a noite esfriou, 
    e agora, José? 
    e agora, você? 
    você que é sem nome, 
    que zomba dos outros, 
    você que faz versos, 
    que ama, protesta? 
    e agora, José?

    Está sem mulher, 
    está sem discurso, 
    está sem carinho, 
    já não pode beber, 
    já não pode fumar, 
    cuspir já não pode, 
    a noite esfriou, 
    o dia não veio, 
    o bonde não veio, 
    o riso não veio 
    não veio a utopia 
    e tudo acabou 
    e tudo fugiu 
    e tudo mofou, 
    e agora, José?...

DA VIDA.



Vejo a vida onde não parece ter,
 Assim percebo milagres que se acendem no escuro.
Nos objetos que às vezes encontro.
No brinco perdido.
No sapato empoeirado, debaixo da cama.
No que está pendurado no varal, dançando a o vento.
No que foi perdido no chão e fica escondido,
zombando, rindo, me virando a cara.
Ademais, tudo em volta, me parece igual,
vazio e morto.
 Sumariamente morto.

SIMPLES ASSIM.


Hoje ouvi, de uma pessoa, que não tem a minima noção de como funciona a vida, os sentimentos humanos, enfim,.. Que não tem noção da sua própria ignorância quando acredita que suas ideias preconceituosas, fundamentam com lógica, entre outras coisas, a razão de existir a homossexualidade humana, um verdadeiro absurdo. 
Ele conta que uma irmã da sua congregação religiosa, foi surpreendida pelo único filho, que confessou ser gay e saiu de casa. Desesperada com a revelação do filho, esta irmã procurou uma outra (irmã) que depois de ouvir sua historia, prometeu ajuda-la a encontrar uma resposta de Deus para este dilema, através de orações. Depois de algumas semanas orando à Deus, ouviu uma voz que lhe dizia ao ouvido: "Pergunte a ela como foi a relação dela com o marido, nos últimos anos!.."
Assim que teve uma oportunidade, esta irmã procurou a outra e lhe fez a pergunta. Chorando e envergonhada a irmã explicou, que por motivo de uma doença que contraíra e a fazia sangrar, decidira fazer somente sexo anal com marido a algum tempo, o que lhes garantia uma maior segurança nas relações. Por outro lado, muito surpresa, não imaginava que seria punida por Deus, por aquela atitude.
Bom, arrependida de seu pecado, ela parou de fazer sexo anal com o marido e o filho que tinha ido embora, retornou pra casa.
Conclusão deste caso: A homossexualidade do filho era um castigo de Deus, porque seus pais praticavam sexo anal,  considerado um pecado. Simples assim.

* Eu fico pensando que algumas pessoas quando não conseguem uma resposta lógica pra suas duvidas e embates na vida, inventam qualquer absurdo para justifica-lo e transformam numa verdade absoluta pela falta de alcance. Em alguns casos, colocam Deus como um juiz poderoso e pronto a castigar quem não segue a cartilha moral, criada pelo próprio homem moralista e não Deus.

CAIA A TARDE FEITO UM VIADUTO.



"Caia a tarde feito um viaduto e um bêbado trajando luto, me lembrou Carlitos..." Eu me perguntava o que que significava na musica "O Bêbado e a Equilibrista", magistralmente interpretada por Elis Regina, esta expressão; caia a tarde feito um viaduto, já que viadutos não caem rotineiramente como as tardes, então fui atrás de resposta junto a o seu Google que prontamente informou. Para os curiosos como eu, aí vai, mastigadinha:

Em 20 de novembro de 1971, o Rio de Janeiro viveu uma de suas maiores tragédias: Um trecho de 50 metros do Elevado Engenheiro Freyssinet — mais conhecido como viaduto Paulo de Frontin — desabou sobre o cruzamento da Rua Haddock Lobo com a Avenida Paulo de Frontin, na Tijuca, matando 29 pessoas e ferindo outras 18. O acidente no elevado, que ocorreu na manhã de um sábado, mobilizou a cidade durante vários dias, com a população acompanhando o passo a passo da retirada dos escombros e do resgate dos corpos das vítimas.
O desabamento aconteceu quando um caminhão betoneira de 2,5 toneladas — carregando oito toneladas de cimento — tentou atravessar o vão da Haddock Lobo. O peso fez a construção quebrar, com as vigas e o concreto desabando sobre os carros que aguardavam no sinal. Depois do desastre, num trecho de 122 metros do elevado, sobraram apenas as colunas.
O texto acima, é credito do Acervo do Jornal O Globo. 
Han han, agora já sabemos!




AINDA HÁ TEMPO PRA MUDAR

Encontrei este vídeo postado na pagina do Face book de uma colega de serviço, também de raça negra e fiquei aqui matutando com meus botões: O preconceito é uma merda, um sentimento tão profundo e dissimulado, guardado, escondido, que as pessoas não se dão conta, que também estão discriminando ou então ajudando a promover a discriminação. Quando assisti este vídeo fiquei pensando e me perguntei:
Por que esta mulher do vídeo é chamada a atenção para manter seus cabelos presos e não pode deixa-los soltos, usa-los como bem quiser? Por que é negra? Por que é gorda? Por que alguns a acham feia?
Posso até estar radicalizando, mas uma grande parcela das pessoas em geral, banalizam e ridicularizam o que é diferente dos seus conceitos de beleza. Conceito este que as vezes nem elas se encaixam.


MOSAICO.

Tem dias que construímos algo, que parece aos outros olhos, magia ou mentira. Mas tudo é realidade guardada dentro de cada pessoa, construída através de olhares, de gestos pessoais que se revelam na identificação da sua própria alma. Acreditem, cada um de nós é um mosaico da sua própria natureza e arte a ser descoberto e revelado. Somos muitos, no quanto podemos ser!..

CHORINHOS DE RUA.

Às vezes é necessário parar, dar um tempo, olhar pros lados, sentar, sentir e assistir o que nos parece tão comum no dia a dia e não é. Uma apresentação de chorinhos na rua da Praia, é sempre bem vindo a os nossos ouvidos.

RESTAURANTE GRIL DA PRAÇA XV


Caminhando por Porto Alegre, descobri, por acaso, na frente da Praça XV, um prédio datado de 1884, que foi restaurado e transformado num belo restaurante já a três anos, conforme me informou seu proprietário. Na entrada, uma porta de vidro adesivada com uma fotografia de uma porta antiga com pintura descascada pelo tempo, quase não se percebe que ali existe um restaurante decorado com muito bom gosto e comida simples, mas com um toque de criatividade a ser experimentada. Depois de cruzar a entrada, uma escadaria leva a o andar superior, descortinando o amplo restaurante decorado com muito bom gosto.


Com pé direito alto, paredes que exibem os antigos tijolos de barro, janelas e portas de madeira originais e treliças no teto, dão ao conjunto aquele toque perfeito de modernidade e do antigo ao Restaurante Gril da Praça XV. que lembra os antigos armazéns de Chelsea em New York, transformados em Pubs, Galerias de arte e de Moda perfeitamente ajustados ao contexto estético dos tempos contemporâneos. Tem mais, além de bonito,  o bife livre sai por um preço justo: R$ 20,00.

PROCURA-SE O AUTOR DESTE POEMA

Deixa eu ser desses meninos franzinos e encardidos
Que colecionam tampinhas de garrafa pet.
Que criam invenções e jogam pro alto.
Que constroem cidades com caixinhas de fósforo.

Mostrem-me o Sol, me aponte a Lua.
Eu quero ir até elas..

Deixa eu molhar meus pés sujos no leito do teu rio.
Assim terei histórias para contar aos meus.

UMA ESTRANHA LUZ REDONDA.

Hoje a noite quando fui com uma amiga até o seu carro estacionado na rua, vimos uma luz refletindo-se acima das copas das arvores, na praça em frente. Uma luz redonda que parecia de uma grande lanterna, se mostrando bem visível a os nossos olhos. Brinquei que poderiam ser seres extra- terrestres e que eu até poderia ir com eles.
Ela então me abraçou e disse que nós ainda precisávamos um do outro. Entrou em seu carro e foi embora. Eu ainda tentei avistar a estranha luz, mas não encontrei.

UMA FIGA COMO CONSOLO


Às vezes é necessário fazer uma figa e mandar todo mundo pra aquele lugar, porque não tá fácil viver neste planeta... A figa não vai mudar muita coisa, a não ser uma cara de desaprovação de algumas pessoas, e nos dar uma sensação de alivio, de placebo para aguentar todo este mal estar geral.
Amigos, conhecidos que encontro na rua, ficam me dizendo:
É, pois é!.. É isto!.. Tá deste jeito e parece que vai piorar!.. É, não tem mais saída!  Por que não tem mais o que dizer, além de meias palavras, frases desconstruídas, desestimuladas.
Pra cada lado que se volta o olhar, parece haver algo rançoso que precisa ser substituído ou posto fora de uma vez por todas.
Perdemos a confiança, a esperança em quase tudo, nos governantes, nos patrões, nos vizinhos, na sociedade, no mundo, na possibilidade de encontrar um amor e viver feliz. A sensação que fica, é de uma grande conspiração rolando em conjunta e prestes a explodir a qualquer momento. Talvez uma figa sirva de consolo!

Postagem em destaque

TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...