AS TRAPASSAS DA MORTE.

A morte observava-o a vários meses, mantendo um discreto sigilo. Vigiava tudo o que ele fazia, seguia seus passos, lia seus pensamentos e às vezes até deitava do seu lado, quando chegava do trabalho  e se jogava na cama morto de cansado .
Pensava em levá-lo mesmo sem qualquer justificativa e gozando de boa saúde.
Mas aquela espinha que lhe sairá no rosto, na semana passada, talvez rendesse um bom motivo...

NO TEMPO DAS EXPECTATIVAS.

O olhar dela para ele, não era só de admiração, mas de uma grande expectativa e de um possível namoro promissor, com fantásticas experiencias inovadoras a serem descobertas juntos.
Sempre que podia, corria ao seu encontro, disponibilizando tempo e atenção.
O olhar dele era fugitivo e rebatia em paredes vazias, como quem tinha dúvidas se seguia em frente numa aventura de pouco interesse e futuro incerto.
Ela imaginava horas e horas de papo cabeça sobre os lençóis úmidos pelo entardecer da madrugada. 
Ele queria apenas ficar sozinho e comer bergamotas ao Sol do outro dia.

O MISTÉRIO DAS JANELAS

Carregava dentro de si o mistério das janelas que se abriam e se fechavam para o mundo. Isto era para ele, muito significativo. Janelas velhas, coloridas, quebradas, desgastadas pelo tempo, lhe chamavam a atenção de uma forma peculiar e por vezes incompreensível.
Em cada uma, um mistério a ser revelado, uma historia a ser contada, talvez um segredo a ser mantido com as tampas fechadas.
Em criança, queria saber o que se escondia por traz delas, depois de algum tempo, o que acontecia do lado de fora. Janelas lhe pareciam, um portal de descobertas a serem desvendadas.

IRMÃS GÊMEAS.

A verdade e a mentira são como duas irmãs gêmeas atraentes e com suas antagônicas personalidades, que se completam sobre as atitudes e inclinações humanas.
Que desconhecida força, lhes dão tamanho poder?
A verdade tem suas pequenas mentiras camufladas...
A mentira, algumas verdades saborosas...

O VOO DO DRAGÃO.

Ele ficava sempre ali, na mesma esquina, a mostra, aguardando eu passar, como um dragão pronto para me rasgar a pele, lamber meus ossos, me devorar.
Algumas vezes ficava pendurado num andaime, entrelaçado em cordas, disfarçado com um uniforme, um capacete de proteção, para que eu, de longe, percebesse seu jogo, suas atrevidas investidas, seu olhar de fogo que me vigiava, que tentava buscar o meu ainda assustado, inibido, preocupado de ser ferozmente aniquilado.
O medo me consumia, mas algo em mim, já havia sido dominado, pois não conseguia desviar a rota. Fazia o mesmo trajeto, tremula, sentindo seu fogo chegar em mim, me queimar as coxas, o ventre, até terminar-me em cinzas.
Quando enfim nos encontramos, pude sentir que estava perdida. Sua pele áspera, suas garras que me marcavam as costas, seu abraço forte de dragão que me envolvia, me fizeram voar sobre os continentes mais distantes.

POEMA PARA SÔNIA.

Com Sônia, os amigos cantam, dançam e declamam poesia.
Sua alegria se transforma em energia, se espalha, contagia.
Na casa de Sônia os pássaros adormecem nos entre laços de uma trepadeira.
Parece besteira, rotineira.
Coisas de feiticeira.
Seus olhos falam e encantam.
E quando canta:
De seus lábios escorrem boleros, fados, samba-canções.
Sônia é mais que poesia é alegria e dedicação.
Mesmo na contramão.
Nas ruas sombrias de Viamão
Onde se ouve suas canções
É o rodopio dos piões, que descobrem uma nova direção.
É o mistério dos pássaros que gorjeiam na vertical.
É sensacional.
É as páginas de um livro,  que a brisa decidiu revelar,
sem nada ocultar, perpetuar.
Sônia é arte.
É estandarte.
É a sabedoria do coração.
É vibração.
A mais pura emoção.



NOITE DE MACUMBA.

De longe, ouço um sino tocar com delicadeza em meu coração.
Na noite escura, mulheres com saias rodadas e coloridas, surgem cantando e acedendo velas. Também depositam tigelas de barro enfeitadas, na esquina vazia.
Parece haver uma festa com farta comida e bebida.
A estas horas da madrugada, poucos veículos circulam e os que passam, andam de vagar ou tentam desviar sua rota.
Gritos e sussurros, é ouvido.
A esquina vira um mundo, fora deste mundo.
Os que caminham por perto, desavisados, se sentem temerosos com o que poderão ver ou sentir, nestas noites em que coisas invisíveis estão a solta na esquina.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES.

Um jovem caminha na rua, com uma grande mochila presa nas costas. 
Ele vai ou vem de algum lugar... 
Do outro lado da rua, um idoso, com seu cão de estimação preso a uma guia, caminha no sentido contrario. 
Ele vai ou vem de algum lugar...
Eles se cruzam sem nada dizer um a o outro.
Eles vão ou vêm de algum lugar...
Isto cria alguns pontos de vista neste texto, que não cabem explicações, mas que levam para algum lugar... 
Será que isto tem alguma significação importante, alem de um cronograma de atividades?
Tudo vai ou vem de algum lugar.

ALMAS GÊMEAS.

Existem algumas facetas minhas impregnadas em ti, que ao te encontrar por acaso, ou não, percebo no teu olhar, nos teus gestos, nas tuas atitudes mais cruas. São pedaços de mim, da minha carne, dos meus ossos e nervos espalhados em ti, feito um remendo costurado com finas artérias, que pulsam e reagem aos incômodos da alma que também parece minha.
Dores, alegrias, inevitavelmente compartilhadas em corpos diferentes, mas cuja a alma se parecem similares, noutros momentos tão desiguais.
Alguns atitudes tuas, me levam a embriagues da alegria, outras a uma certa angustia natural de quem se vê e carrega certas culpas que não são de nossa inteira responsabilidade.
Beijar-te, é beijar a mim mesmo no espelho, com certa estranheza. Contrariar-te é dar as costas ao que sou.

A DANÇA DA LAGRIMA

A lagrima lhe caiu do olho e foi descendo pelos frisos do rosto até o canto da boca, como se tivesse vida própria. Seguiu dançando livre como Isadora, sobre o pescoço, a caminho dos seios, atravessou a barriga e umbigo, onde definitivamente parou, formando uma poça salgada.
Há certos balés da vida, que não admitem testemunhas oculares!.. Isto só é possível perceber com muita atenção e olhos fechados.

VINGANÇAS INOCENTES.

Sentia algumas vezes, que era alvo de pequenas e ardilosas vinganças, promovidas por algumas pessoas, mas daquelas vinganças sutis e disfarçadas de atitudes inocentes, cujo o objetivo não era o de destruir, mas de jogos de força ou alguma lição silenciosa de perspicaz intendimento.
Surgiam a o acaso, em doses pequenas, que  em certos momentos pareciam não ferir, mas noutros, surtir um angustiante sentimento de culpa a ser tratado.
Seria por tudo o que não deu certo e pelo tempo que foi perdido?
Já havia experimentado isto, com outras pessoas, o que o fazia repensar sobre te-las do seu lado, no pouco que lhe restava de vida.

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TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...