O VOO DO DRAGÃO.

Ele ficava sempre ali, na mesma esquina, a mostra, aguardando eu passar, como um dragão pronto para me rasgar a pele, lamber meus ossos, me devorar.
Algumas vezes ficava pendurado num andaime, entrelaçado em cordas, disfarçado com um uniforme, um capacete de proteção, para que eu, de longe, percebesse seu jogo, suas atrevidas investidas, seu olhar de fogo que me vigiava, que tentava buscar o meu ainda assustado, inibido, preocupado de ser ferozmente aniquilado.
O medo me consumia, mas algo em mim, já havia sido dominado, pois não conseguia desviar a rota. Fazia o mesmo trajeto, tremula, sentindo seu fogo chegar em mim, me queimar as coxas, o ventre, até terminar-me em cinzas.
Quando enfim nos encontramos, pude sentir que estava perdida. Sua pele áspera, suas garras que me marcavam as costas, seu abraço forte de dragão que me envolvia, me fizeram voar sobre os continentes mais distantes.

POEMA PARA SÔNIA.

Com Sônia, os amigos cantam, dançam e declamam poesia.
Sua alegria se transforma em energia, se espalha, contagia.
Na casa de Sônia os pássaros adormecem nos entre laços de uma trepadeira.
Parece besteira, rotineira.
Coisas de feiticeira.
Seus olhos falam e encantam.
E quando canta:
De seus lábios escorrem boleros, fados, samba-canções.
Sônia é mais que poesia é alegria e dedicação.
Mesmo na contramão.
Nas ruas sombrias de Viamão
Onde se ouve suas canções
É o rodopio dos piões, que descobrem uma nova direção.
É o mistério dos pássaros que gorjeiam na vertical.
É sensacional.
É as páginas de um livro,  que a brisa decidiu revelar,
sem nada ocultar, perpetuar.
Sônia é arte.
É estandarte.
É a sabedoria do coração.
É vibração.
A mais pura emoção.



NOITE DE MACUMBA.

De longe, ouço um sino tocar com delicadeza em meu coração.
Na noite escura, mulheres com saias rodadas e coloridas, surgem cantando e acedendo velas. Também depositam tigelas de barro enfeitadas, na esquina vazia.
Parece haver uma festa com farta comida e bebida.
A estas horas da madrugada, poucos veículos circulam e os que passam, andam de vagar ou tentam desviar sua rota.
Gritos e sussurros, é ouvido.
A esquina vira um mundo, fora deste mundo.
Os que caminham por perto, desavisados, se sentem temerosos com o que poderão ver ou sentir, nestas noites em que coisas invisíveis estão a solta na esquina.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES.

Um jovem caminha na rua, com uma grande mochila presa nas costas. 
Ele vai ou vem de algum lugar... 
Do outro lado da rua, um idoso, com seu cão de estimação preso a uma guia, caminha no sentido contrario. 
Ele vai ou vem de algum lugar...
Eles se cruzam sem nada dizer um a o outro.
Eles vão ou vêm de algum lugar...
Isto cria alguns pontos de vista neste texto, que não cabem explicações, mas que levam para algum lugar... 
Será que isto tem alguma significação importante, alem de um cronograma de atividades?
Tudo vai ou vem de algum lugar.

ALMAS GÊMEAS.

Existem algumas facetas minhas impregnadas em ti, que ao te encontrar por acaso, ou não, percebo no teu olhar, nos teus gestos, nas tuas atitudes mais cruas. São pedaços de mim, da minha carne, dos meus ossos e nervos espalhados em ti, feito um remendo costurado com finas artérias, que pulsam e reagem aos incômodos da alma que também parece minha.
Dores, alegrias, inevitavelmente compartilhadas em corpos diferentes, mas cuja a alma se parecem similares, noutros momentos tão desiguais.
Alguns atitudes tuas, me levam a embriagues da alegria, outras a uma certa angustia natural de quem se vê e carrega certas culpas que não são de nossa inteira responsabilidade.
Beijar-te, é beijar a mim mesmo no espelho, com certa estranheza. Contrariar-te é dar as costas ao que sou.

A DANÇA DA LAGRIMA

A lagrima lhe caiu do olho e foi descendo pelos frisos do rosto até o canto da boca, como se tivesse vida própria. Seguiu dançando livre como Isadora, sobre o pescoço, a caminho dos seios, atravessou a barriga e umbigo, onde definitivamente parou, formando uma poça salgada.
Há certos balés da vida, que não admitem testemunhas oculares!.. Isto só é possível perceber com muita atenção e olhos fechados.

VINGANÇAS INOCENTES.

Sentia algumas vezes, que era alvo de pequenas e ardilosas vinganças, promovidas por algumas pessoas, mas daquelas vinganças sutis e disfarçadas de atitudes inocentes, cujo o objetivo não era o de destruir, mas de jogos de força ou alguma lição silenciosa de perspicaz intendimento.
Surgiam a o acaso, em doses pequenas, que  em certos momentos pareciam não ferir, mas noutros, surtir um angustiante sentimento de culpa a ser tratado.
Seria por tudo o que não deu certo e pelo tempo que foi perdido?
Já havia experimentado isto, com outras pessoas, o que o fazia repensar sobre te-las do seu lado, no pouco que lhe restava de vida.

OBJETO DE AZAR

Semana passada o corpo de um jovem assassinado, foi encontrado na calçada da rua do lado. Os vizinhos todos comentavam nas redes sociais aterrorizados com a violência que começa a chegar na porta de suas casas. Talvez a vitima não tivesse sido morto ali, mas noutro lugar e depois desovado na rua escura, que muitos passam e temem por assaltos.


Dos pertences da vitima, sobrou um par de tênis, esquecido, jogado na calçada, que ninguém tem coragem de descartado-lo num saco de lixo. Ficou meio que amaldiçoado, um objeto que pode atrair coisas negativas. Sei lá o que as pessoas pensam. 



MARAS, VALE SAGRADO DOS INCAS.


Maras é uma cidade que parece um vilarejo no Vale Sagrado dos Incas, no Peru, a 40 quilômetros ao norte de Cusco. A cidade é conhecida por suas lagoas de evaporação de sal, suas casas e a igreja,  que parecem uma grande escultura de argila vermelha feitas à mão, perfiladas em ruas estreitas da mesma cor. 


As pessoas que nela vivem, são de aspecto simples e te observam como se tu viesse de um planeta distante, até cumprimenta-las com um simples movimento de cabeça ou um sorriso de simpatia. Não puxam conversa a toa, mas respondem expressivamente ao primeiro contato.
Idosos sentados na calçada, crianças com trajes típicos ou uniformes escolares, desfilam pelas ruas empoeiradas dando seguimento a suas rotinas.
Maras te reporta a solidão de viver num lugar parado no tempo e de beleza impar. É também o caminho para as Salinas de mesmo nome e o sitio arqueológico Moray, uma especie de estação de experimentação agrícola, até hoje não comprovada.

FÚCSIA.

Abriu a porta e saiu sem dar explicações de onde ia, caminhava na ponta dos pés, pelo corredor do edifício, como se não quisesse chamar a atenção. 
Cruzou a rua parecendo em fuga e foi de encontro a ele, que não tinha rosto dentro do carro de janelas escuras.
Da sacada, alguns curiosos a observavam silenciosos, o que parecia ser o seu mais recente segredo.

PRENÚNCIOS DA NATUREZA.

Um vento brando movimentava as arvores daqui, perto de casa, numa tarde ensolarada, em que homens gritavam em suas praticas esportivas, crianças corriam e cachorros latiam. De repente o vento soprou mais forte fazendo com que as arvores se inclinassem mais do que o normal. Delas saíram pequenas partículas flutuantes, que ao se aproximarem dos meus olhos, percebi tratarem-se de plumas de pássaros que levitavam no ar, indo para o leste. Os pássaros começaram a voar de todos os lados alvoroçados.
Este deve ser um acontecimento corriqueiro da natureza, que quase não percebemos, porque nossos olhos estão voltados para dentro, à espera de outras transformações, pensei. A desatenção,  nos faz perder certos prenúncios ocasionais de mudança. A chuva caiu impiedosa, minutos depois, parecendo que iria acabar com o mundo.

Postagem em destaque

TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...