O leitor

Depois eu conto!.. Mas acho que não estou a fim de contar. Não vou contar! Parece que tem coisas que queremos guardar só pra gente!

Cores de Almodovar e Frida Kahlo

Acordei pensando em quanto necessita-se para ser feliz. Muito.., pouco.., muito pouco ou apenas pouco de muito que exigimos?.. Então desisti de pensar nisto, tomei o rumo da rua e me fui em busca de um objetivo. O objetivo naquele momento era encontrar uma locadora nas redondezas do qual pudesse pegar um filme e assistir tranquilo na cama enquanto a chuvinha enssoça persistia em cair. Talvés um vinho?... Não!, vinho bebi ontem depois que todos sairam!.. Viver sozinho parece te dar uma dimensão maior de liberdade que percebi ser falsa, uma média amplitude do que fazer em prol de si mesmo nos dias de folga, nos dias em que não se está muito afim de abraçar obrigações necessárias e rotineiras. Daí, surge a perspectiva de estar a deriva num grande mar de possibilidades e ainda em duvidas pra onde se jogar... A única locadora aqui perto, porém longe, estava fechada, sobrou-me então olhar a vida, as pessoas caminhando caladas pelas calçadas molhadas, as árvores, as praças, a chuva, as cores, as canções que surgem na cabeça.
É, e eu percebi que precisava de muito, muito mais coisas neste momento para estar feliz!
"Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que não sei o nome, cores de Almodovar, cores de Frida Kahlo, cores..." - *Adriana Calcanhoto.

Vinho, pinhão, amendoim torrado

Agora que todos se foram, abro a janela e observo a lua escondida entre nuvens., (parece que esta janela virou uma espécie de altar dos meus rituais intimistas!). Bebo uma taça de vinho que ganhei hoje e então sorvo-a com vontade como se engolisse a vida, absorvo-me em mim mesmo, na intimidade de meus pensamentos, na loucura que navego sem pesares. Todos se foram mas ainda percebo suas presenças, seus cheiros, a energia desprendida de seus corpos, seus movimentos pela casa. Todos se foram mas parece que ainda estão por aqui invisíveis, marcando alguma tipo de presença que não vejo, mas sinto vagar no ar. Deixaram suas almas que mais tarde baterão minha porta e irão a procura de seus corpos, que sairam antes. Presentearam-me delicadamente com vinho, pinhão e amendoim torrado.

Areia movediça

Começamos a nos encontrar com uma certa frequência e isto não me fazia mal até eu perguntar-me sobre os por quês. Disse-me que algumas situações semelhantes em nossa infância provocou esta atração de amizade, este reconhecimento interior que nos aproximou a ponto de termos tantas coisas para dizer um ao outro. Mas será que temos mesmo o que dizer um ao outro, será que isto é verdadeiro? Não me sinto suficientemente confiante, aberto para recebe-lo como talvez ele esperasse que eu fosse. Pôr vezes penso estar pisando em areia movediça e então me disponibilizo pela metade, me ponho em alerta como um guardião esperando o momento de afastar ou eliminar a fera do meu espaço.

Conjugar o verbo morrer

Eu sei, tu sabes e acho que todo mundo sabe que um dia iremos morrer embora seja difícil conjugar este verbo no "nosso tempo" e de que forma acontecerá. Abandonaremos esta carcaça velha e partiremos para algum lugar com nossa alma, espírito ou sei lá como chamar, intacto, jovem, como se nenhuma alteração tivesse sofrido com o decorrer do tempo, ao contrario do nosso corpo que vem perecendo dia após dia. Mas fico pensando também, que se depois de mortos, não tivermos mais esta consciência dos dias em que vivemos por aqui, na terra, perderemos toda a referência, as lembranças boas e más, os amores, os amigos e aí que graça tem?... É como ganhar o prêmio Nobel sem nunca sabermos que ganhamos, ser reconhecido por algo somente depois de morto, como os pintores do século passado que nunca souberam que viraram gênios de suas obras. Será que o premio final é isto, a inconciência de tudo que somos e que vivemos? Ontem à noite quando atendi um homem atropelado na avenida e percebi que não havia mais vida naquele corpo, jogado sobre uma poça de sangue e que uma de suas pernas fora amputada e arremessada do outro lado da calçada, percebi também a fragilidade das coisas e a rapidez com que se transformam em outras. Ali estirado, não parecia ser gente, era um pedaço de carne ensanguentada e imóvel. Cobri seu corpo com um lençol e afastei-me repetindo pra mim mesmo que era um homem e que talvés nem percebera que havia chegado a sua hora.

De mãos dadas

Vi na rua uma idosa com a expressão preocupada segurando a mão de um menino que carregava uma bola. Ele tinha o olhar inocente e perdido. Esta cena comum fez-me lembrar de minha avó que dizia proteger-me do mundo e das maldades da vida. Hoje eu sei que ela protegia-me inclusive de mim mesmo.

Nova esperança

Por vezes sonho acordado e estes sonhos são tão reais que fazem-me acreditar que não me levarão às margens das impossibilidades, daquilo que minha mão não alcançará por estar além do seu alcance. Mas sei que são desejos que me absorve a alma, agita meus hormônios, meu sangue na perspectiva de um novo caminho. O dia também se fez novo por aqui, iluminado com o nascimento do sol e pássaros cantando na minha janela. Esta sinfonia não deve ser em vão. Daí veio então esta canção na lembrança, que ouvi algum tempo, na voz de Elis, enquanto eu abria a janela:

"Nova esperança, bate coração, renascer cada dia como a luz da manhã. Despertar sem medo, enganar a dor. Disfarçar essa mágoa que anda solta no ar...

Ter que acreditar no regresso da estação, como o sol volta a brilhar, como as chuvas de verão. Ter que acreditar só pra ter razão. De sonhar mais uma vez...

Nova esperança, bate coração, Renascer cada dia como a luz da manhã. Semear a terra, certo de colher, da semente o fruto, depois descansar..."


A visita inesperada

Margarita chegou em minha casa depois que toda a visita já tinha ido embora. Tinha o olhar da desconfiança e os movimentos cuidadosos de quem procurava pistas incriminadoras, de quem é vítima de fantasmas que criou a cerca de minha vida. As vezes penso que minha alegria é sua tristeza, que minha liberdade sua prisão. Margarita é boa gente, mas não se liberta destes fantasmas que a aprisionam-na e que talvez nunca se livre em minha companhia.

Sim, não

Wladmir e eu voltávamos de algum lugar que agora não lembro, mas sei que chovia muito e eu podia ouvir o ruído dos pneus dos carros esmagarem as possas d'água sobre o asfalto negro da avenida Ipiranga. Luzes e faróis se refletiam no chão molhado e multiplicavam imagens indecifráveis e o vento com chuva fina batia-me no rosto enquanto eu contava em silencio os postes que iluminavam o inicio da noite sobre as calçadas. Então me bateu um sentimento de esvaziamento interior, (aquela) vontade louca de parar sem olhar para os lados. Parar com tudo em que me envolvi nesta nova fase de vida e que agora já acho velha, porque houve desgaste, porque virou rotina, uma ressaca de uma embriaguez que foi gostosa mas que pouco a pouco tem causado um mal estar crescente. Simplesmente bater a porta e sair andando sem também olhar para traz, decidido. Debulhar a vida, devolver-me a sensação agradável do que realmente vale a pena e ir para algum lugar em busca disto.

Repensando

A morte do astro Michel Jackson, o infarto do meu colega de quarenta e cinco anos, internado na UTI e o comentario do Nilson na janela da ambulancia enquanto partíamos apresados para um novo atendimento,... (_É, a gente precisa ter uma vida melhor e se preparar para uma velhice digna!) me fez parar e pensar em como realmente estamos despreparados para surpresas como estas em nossas vidas!...

Cantorias e cabernet sauvignon

Hoje é Sábado e então brotou-me até uma pequena indignação quando cheguei em casa do trabalho e percebi que não havia programado nada para esta noite. Os poucos telefones que tentei quando me dei por conta, diziam com aquele voz eletronica e me irritavam profundamente:
_Este telefone está desligado ou fora da área de cobertura, pôr favor, tente mais tarde!.. _Este telefone não está programado para receber ligações!.. _Não foi possível completar sua ligação, tente mais tarde!..
Pareciam estarem todos eletronicamente 'configurados' contra meus planos de sair. Na verdade não sabia exatamente o que gostaria de fazer mas... Sobrou-me então uma garrafa de cabernet sauvignon guardada no armário e as cantorias de Vital Farias para que eu me (desconfigurasse) deste clima de impossibilidades. Um brinde!

Cotidiano

Na quinta-feira, não sei por que razão fiquei tão angustiado em deparar-me com aquela cena comum em familia, com aquele cotidiano que absolutamente não era o meu e provocou-me inusitado sentimento de desordem pessoal.
Xícaras com resto de café sobre a mesa, que havia sido bebido recentemente, a TV ligada no programa "A Grande Familia," cobertores no sofá para aquecerem os pés. Fiquei deslocado de tudo aquilo, esperando o momento certo de dizer adeus e sair correndo pra rua. Já em casa e envergonhado da minha atitude, percebi que não encontraria jeito e palavras para levantar o telefone e pedir desculpas.

CAMINHADA SEM FIM.

Sentado no hall do edifício eu admirava a rua, as pessoas e alguns carros que trafegavam por ali e por um breve instante, senti um aperto no peito. Sim, às vezes sinto isto, uma dor que não é física, mas que defino pessoalmente como um aperto na alma, como se fosse saudades ou talvez melancolia de algo que nem sei o que é. Eu olhava a rua mas não percebia mais o que se passava nela pois meu olhar ultrapassava a parede envidraçada e se distanciava para outro lugar, muito, muito longe dali. 
E eu caminhava agora ofegante, pôr ruas estreitas e de pedras antigas onde homens e mulheres negras vendiam comida e usavam roupas coloridas diante de casas também coloridas de um amarelo, azul e vermelho vibrantes e percebia que eu não estava mais na minha rua, na minha cidade, no meu estado mental normal. Eu caminhava quieto e com uma sensação de alegria contida, mas também retraído, entre a multidão de pessoas, para que não percebessem que eu estava fora do meu lugar, naquela viagem fora do meu tempo real e com medo de ser descoberto. Ao mesmo tempo eu me perguntava, na tentativa de restabelecer alguma segurança, (quem saberia que eu não era dali, a não ser eu mesmo?) Surgiam alguns lapsos de memória e eu perguntava-me perplexo o que eu fazia ali, o que eu procurava? Já estava cansado quando parei de caminhar e procurei um pouco de fôlego para continuar, continuar, continuar esta caminhada sem fim...

É, a gente não está com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela!..

É, as vezes a gente quer dizer tantas coisas e não diz absolutamente nada, apenas fica calado pensando em dizer... Acho que não sou o único a sentir isto e nem serei o ultimo desta fila, mas dai encontrei Gonzaguinha no Youtub que colocou de forma criativa e sensível um pouco deste sentimento que é de todos nós.

Fora de Ordem

As vezes quando me dou pôr conta, me encontro as avessas, e então surge a sensação de que estou inadequado em meu próprio espaço e que não pertenço a esta cidade, a este pais e que se não fosse um absurdo total, diria ate não pertencer a este mundo. Fico meio fora de ordem, assistindo tudo a minha volta como um vídeo que aos poucos vai perdendo a cor e pôr fim a nitidez. Será que o mundo virou de cabeça para baixo e eu não sei?..
"...E o cano da pistola
Que as crianças mordem
Reflete todas as cores
Da paisagem da cidade
Que é muito mais bonita
E muito mais intensa
Do que no cartão postal...

Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da nova ordem
Mundial..."
Caetano Veloso.


NÁUFRAGOS.

E de repente um cheiro peculiar me levou para um outro lugar e eu segurava teu rosto com as duas mãos espalmadas fixando meus olhos dentro dos teus meio assustados com a minha atitude inesperada. E nós estávamos nus sobre a areia quente de um deserto que inexplicavelmente começou a brotar grama por todos os lados e foram crescendo tão rápido que nos cobriu por inteiro. O Sol virou nuvem e então ficou frio. E eu me deitei no chão em posição fetal e tu tentavas me cobrir com o teu corpo dizendo: _Acorda, acorda, não durma!.. E eu não queria acordar, só queria ficar ali quieto e morrer sem acordar com o teu corpo sobre o meu feito lápide.

LA DOLCE VITA DE FELLINI E A ULTIMA CENA.

Estive pensando que o mundo é cheio de símbolos e que a vida da gente é cheia de situações simbólicas, de comunicações falhas e pouco compreendidas, dificultadas por mecanismos externos que por vezes não identificamos de onde vêem e que afetam a nossa sensibilidade e percepção. Dai, sobra a escolha que mais se adequa aos nossos anseios imediatos, mesmo que depois viemos a nos arrependermos... 
Lembrei disto ao rever ontem a cena final do filme 'La Dolce Vita' de Fellini, que pra mim é um dos melhores.
Observe a tentativa de comunicação entre a menina Beatrice e Marcello na beira da praia, prejudicada pelo ruido do vento e do mar e evidentemente pelo seu próprio desinteresse em ouvi-la, de compreender o que a garota estava querendo lhe dizer. 

Observe o olhar da menina depois que ele se afasta, observe seu ultimo olhar, lançado na nossa direção perguntando-nos se também desistimos, se perdemos a inocência ou a razão de viver.




Esperando Godot

Então eu corri as pressas para casa na ânsia de deixar quase tudo que a mim me cabia, pronto. Poderia ter sido uma noite agradável de sorrisos e vinho tinto se não fosse a ligação desanimadora desmarcando tudo em cima da hora e a outra que fiquei esperando e não recebi. Sobrou apenas cinzas da expectativa desfeita e uma garrafa de vinho que beberei mais tarde, como Wladimir e Estragon na estrada, esperando Godot!

Pode ser que tudo mude quando chegares em casa

Pode ser que tudo mude quando tu chegares em casa e leres no espelho do banheiro com creme dental -Eu te amo!
Pode ser que tudo se transforme quando alguém te disser que teu café tem um sabor especial e que ninguém faz igual.
Que teu corpo é mais quente...
Que teu olhar tem mais luz que os outros olhares...
Que teu sexo é mais gostoso...

E aí tu ficarás pensando pra onde tudo isto vai te levar e que tipo de responsabilidade tens sobre tudo isto!
Basta ouvir: - Eu te amo?

Fato curioso

Mandaram-me esta semana, um motorista novo, para trabalhar comigo, chamado Gil e então durante um agitado atendimento de um paciente com falta de ar, gritei por seu nome para que me alcançasse algumas coisas que eu precisava no momento. Havia entre as pessoas que estavam a nossa volta observando o atendimento, uma senhora que ao virar-se e olhar curiosa para os meus cabelos volumosos disse para uma outra a o seu lado: _Ele deve ser o Zé Ramalho!

Postagem em destaque

TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...