A PERIGOSA YARA

FRAGMENTOS DO CONTO: "DOZE LENDAS BRASILEIRAS" 
DE CLARICE LISPECTOR


Sim, mas houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava pescando e esqueceu-se de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi quando pensou: acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das sereias arriscadas — largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que adiantava fugir, se o feitiço da Flor das Águas já o enovelara todo? Lembrava-se do fascínio de seu cantarolar e sofria de saudade. A mãe do Tapuia adivinhara o que acontecia com o filho: examinava-o e via nos seus olhos a marca da fingida sereia.
Enquanto isso, Yara, confiante no seu encanto, esperava que o índio tivesse coragem de casar-se com ela. Pois, ainda nesse mês de florido e perfumado maio, o índio fugiu da taba e de seu povo, entrou de canoa no rio e ficou esperando de coração trêmulo.
Então a Yara veio vindo devagar, devagar, abriu os lábios úmidos e cantou suave a sua vitória, pois já sabia que arrastaria o Tapuia para o fundo do rio.
Os dois mergulharam e advinha-se que houve festa no profundo das águas.
As águas estavam de superfície tranquila como se nada tivesse acontecido.
De tardinha, aparecia a morena das águas a se enfeitar com rosas e jasmins.
Porque um só noivo, ao que parece, não lhe bastava.
Esta história não admite brincadeiras. Que se cuidem certos homens.

NA VELOCIDADE DA LUZ.


Semana passada eu estava na casa do meu filho e assisti da sacada, uma cena digna dos filmes de Fellini ou Vitório De Sica para um belo registro fotográfico. Um pai carregava numa velha bicicleta, seus dois filhos, para a escola. Conclui isto porque as crianças, uma sentada na frente e a outra atrás numa cadeirinha improvisada, levavam consigo pequenas mochilas penduradas nas costas.
A rua arborizada e com calçamento de pedras, alguns carros estacionados, completavam  o cenário para uma belíssima composição fotográfica, que correu tão rapidamente diante dos meus olhos, sem que eu tivesse tempo de pegar o telefone celular e ligar a câmera para um registro.
É, concluí que os milagres são únicos e correm na velocidade da luz.

APENAS O ÓBVIO


Sabe aquela foto MARAVILHOSA que um conhecido ou desconhecido bateu com ou sem pretensão e que te causou problemas com o namorado, o amante, o marido, o ficante, quando chegastes em casa? Ou mesmo aquela que ao chegar em casa solitariamente, te surpreendeu e fez você pensar, mas sou eu mesma?.. Ela é a constatação do óbvio, é o olhar de uma outra pessoa, capaz de capturar ângulos, sombras e revelar notoriamente pequenos detalhes, que a maioria não vê, nem mesmo você.


A fotografia possui esta magia reveladora de que podemos ser outras pessoas paralela ao que acreditamos ser e que transmitimos aos outros. Ela captura sombras, luzes, nuances, que a velocidade dos gestos, do olhar tornam-se imperceptíveis por outras expressões. Existe muita beleza em nós, ainda inexplorada e pouco conhecida que são vistas somente através de um clic revelador.

SEMPRE TEM ALGUÉM QUE NOS VIGIA DA JANELA.


Se cria na gente, um estado de excitação muito grande, ao roubar uma imagem sem pedir permissão, sem que a pessoa veja que está sendo fotografada. Roubar no bom sentido, o que às vezes funciona, noutros momentos não!..
Tu tá de bobeira, em algum lugar público, com uma câmera fotográfica na mão, que chama muito a atenção, ou com o celular e de repente surge a imagem na tua frente pronta, te pedindo para ser registrada. Então tu corre contra o tempo, liga a câmera, arruma o foco, verifica ângulos e a o mesmo tempo, tenta não ser visível ou pelo menos discreto, para não ser descoberto na invasão.
Mas daí é que vem aquela pergunta: O que é de domínio publico ou privado, quando se está numa rua, cercado de centenas de outras pessoas em atitudes comuns?.. 
O certo é que sempre tem alguém, que discretamente nos vigia na multidão ou de alguma janela!.

MEDO DE MORRER PELOS PÉS.

Já devo ter falado aqui no blogue, que existe três coisas que gosto de fazer, viajar, fotografar e contar histórias. Então vou contar uma que lembrei agora: Um amigo que já partiu deste mundo a alguns anos, sempre teve medo de morrer pelos pés. Dizia pra mim, que deitaria na cama, com os pés apoiados sobre travesseiros, na direção de uma janela entre aberta e algo, uma força desconhecida, tragaria seu corpo por inteiro, começando pelos pés. Pensava nisto com alguma frequência e acreditava nesta fatalidade, que fazia-o se prevenir, dormindo sempre com os pés encolhidos e protegidos pelas cobertas. Vai saber!..


Quando soube de sua morte, alguns anos depois, pensei nesta história, mas logo fui informado que tivera um AVC, num quarto de hospital, onde permaneceu por três dias e depois sucumbiu. Também fiquei pensando se no momento em que tentava convalescer da doença, poderia estar com os pés desprotegidos e na direção de alguma janela.

A COR DESTA CIDADE SOMOS NÓS

foto by  Eurico Salis
A cor desta cidade é cinza, uma mistura de todas as cores vibrantes que já não enxergamos mais. Sua voz é o ruido dos motores, dos buzinaços, das freadas, xingões, tiros, dos vendedores ambulantes gritando, de gente falando alto ao celular, chorando baixinho, uma profusão de sons e cores que produz sua própria identidade.
A gente também contribui e faz parte disto, na intenção de ser ouvido, de ganhar um voto de atenção que é rapidamente dispensado, esquecido. Somos co-responsável por este caos.


GESTOS DE PREGUIÇA E OBSCENIDADE INCONSCIENTE

Depois que desperto, volto a deitar na cama. Troco os dias pela noite, Ponho a cabeça onde coloco os pés, os pés onde descanso a cabeça. 
Gosto dessas inversões extravagantes em que submeto meu corpo cansado, onde contrario costumes, regras e horários; De experimentar ângulos diferentes, de inverter, perder toda a noção do espaço que ocupo, de me alongar, de esticar e encolher os músculos em exercícios de liberdade, preguiça e obscenidade inconsciente.


PIMENTÕES VERMELHOS


Sonhei que caminhava de braço dado, com uma amiga, numa grande plantação, dentro de um condomínio de apartamentos na cidade, onde encontrava-se além de uma variedade de verduras, flores e frutos, pimentões vermelhos.
Os pimentões eram enormes e de proporções anormais e por isto me chamavam a atenção, enquanto caminhávamos e falávamos sobre a vida, sobre as relações que não se acabam, as que são conturbadas, e as que rapidamente são esquecidas. Era uma conversa animadora e estimulante, embora ela tivesse menos da metade da minha idade. Falávamos também sobre os embustes da emoção, dos sentimentos que se perdem, dos que camuflamos no coração e nos arrependemos mais tarde.
Mas os pimentões enormes e vermelhos, não saiam do meu campo de visão, durante o sonho, na conversa animada e depois que acordei. Não saiam da minha cabeça.
Que  relação tinham os pimentões naquilo tudo, pensei com meus botões. Será que é por que pimentões lembram de corações?.. Não sei!

A POUPANÇA BAMERINDUS CONTINUA NUMA BOA

"O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus continua numa boa". Esqueci que muita gente não conhece este jingle da década de 90, alguns nem eram nascidos. Mas eu vivi esta época e quase sempre me lembro dele, quando percebo que certas coisas na vida não mudam, continuam sempre do mesmo jeito, estáticos e sem qualquer alteração profunda. 
Isto também vale, pra pessoas do nosso meio de relações, que a gente acredita terem mudado na sua essencial, com a modernidade, com a evolução de alguns costumes e que nada.., continuam pensando ou pelo menos agindo da mesmas forma, pra nossa decepção. O discurso é um e a atitude é outra. Talvez a culpa não seja deles, mas da gente que investe numa mudança que nunca aconteceu.

E AGORA JOSÉ?

           


    E agora, José? 
    A festa acabou, 
    a luz apagou, 
    o povo sumiu, 
    a noite esfriou, 
    e agora, José? 
    e agora, você? 
    você que é sem nome, 
    que zomba dos outros, 
    você que faz versos, 
    que ama, protesta? 
    e agora, José?

    Está sem mulher, 
    está sem discurso, 
    está sem carinho, 
    já não pode beber, 
    já não pode fumar, 
    cuspir já não pode, 
    a noite esfriou, 
    o dia não veio, 
    o bonde não veio, 
    o riso não veio 
    não veio a utopia 
    e tudo acabou 
    e tudo fugiu 
    e tudo mofou, 
    e agora, José?...

DA VIDA.



Vejo a vida onde não parece ter,
 Assim percebo milagres que se acendem no escuro.
Nos objetos que às vezes encontro.
No brinco perdido.
No sapato empoeirado, debaixo da cama.
No que está pendurado no varal, dançando a o vento.
No que foi perdido no chão e fica escondido,
zombando, rindo, me virando a cara.
Ademais, tudo em volta, me parece igual,
vazio e morto.
 Sumariamente morto.

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