NADA É MELHOR QUE A TUA AUSÊNCIA.


Descobri hoje cedo, ao levantar-me da cama, com grande surpresa, que nada por aqui é melhor que a tua ausência. Esta mesma ausência que tanto me frustrou e me delegou poderes de aprisionar minha própria alma e a tua.
Foram tantas brigas, insinuações, lamentos e tentativas de perdão que não foram possíveis.
Levantei cedo sob o silencio da casa, abri janelas e gavetas, arrastei cadeiras, coloquei um disco para rodar na vitrola e me senti liberta de certos apegos e sortilégios desnecessários.
Depois de tantos meses quieta, sem desentendimentos e magoas, estou aparentemente curada, sentada em paz e apreciando uma xícara de café, como a muito tempo não apreciava.
Há na vida certas surpresas: Contraímos dores, que de uma hora para a outra, desaparecem inexplicavelmente ao levantarmos da cama e descobrir que nos bastamos.
Faltam agora, passarinhos pousarem na janela.

O ANOITECER NA ILHA.


Ele apoiou os braços na janela, para observar o Pôr do Sol, que lhe perecia particularmente com uma luminosidade diferente dos outros fins de tarde que costumava ver e por alguns instantes, desconfiou que ela, em sua casa, também pudesse estar debruçada na janela, assistindo este mesmo espetáculo, que ele contemplava com surpresa.
Pensou que talvez necessitassem naquele momento, estarem juntos, lado a lado, assistindo toda aquela beleza, contradizendo este mundo da pressa e dos compromissos inadiáveis, para assistirem aquele Sol e  comentarem tudo à respeito.
Por outro lado, sua timidez impedia-o de pegar o telefone, de mandar uma mensagem, pois o motivo lhe parecia tão bobo e sem sentido.
Percebeu que estavam quase sempre indisponíveis e que talvez algumas ausências provocadas por alguns compromissos, fossem responsáveis pela falta de coragem de fazer um convite daqueles.
Então ele ficou no mesmo lugar, com os cotovelos já doloridos, apoiados na janela, observando o sol se ir, a cidade aos poucos escurecer, com a sensação de estarem juntos, mas também separados, cada um na sua janela, mudos, sensibilizados, incomunicáveis, na mesma ilha que anoitecia.

A GENTE SE ACOSTUMA

Encontrei este vídeo por acaso, na pagina do Facebook de uma amiga. Palavras que devem ser ouvidas para uma reflexão profunda sobre nossas atitudes diante da vida e de nós mesmo: "A gente Se acostuma"

TEMPOS MODERNOS


Então eu embarquei numa outra nave e me distanciei, sem olhar pra traz. Não quis ficar ali aguardando a decisão de quem possivelmente me acompanharia, pra aqueles mesmo destinos desconhecidos que sempre busco e me transformo em outra pessoa...
Todos ficaram sentados ali, na ante-sala  de luz moderada, aguardando a decisão que não vinha de ninguém, pois todos se mantinham em silêncio, cabeças baixas, distraídos, a procura, talvez de sonhos, aplicativos que os mantivesse meio vivos, meio alegres, despreocupados.
Os dedos ágeis e o olhar fixo numa telinha luminosa, os hipnotizavam e os transformavam em raros robôs de expressões humanas, que não sabiam o rumo a tomar, nestes tempos que se parecem tão modernos.

COMUNICAÇÃO CARICATURADA.


Fiquei fingindo naturalidade, depois, fugindo o tempo todo pelos cantos do apartamento, com uma certa inibição de quem descobre-se deslocado por estar no lugar errado e na hora equivocada.
Em cada lugar que eu me acomodava, para aliviar aquela sensação desagradável, ela vinha e sentava-se do  meu lado, com o telefone celular entre os dedos, forçando presença.
Mantinha-se quase que em silencio, quebrado apenas por algumas frases soltas de atenção a mim, retomando o assunto interrompido. Em seguida voltava-se para o aparelho, que lhe fazia alterar a expressão do rosto significativamente.
Por outro lado, fiquei pensando!!..
Tem pessoas que acreditam ser possível administrar com naturalidade uma atenção coletiva, tratando de assuntos diferentes ao mesmo tempo, sem prejuízos de outros, mesmo desviando o foco e promovendo uma comunicação caricaturada e confusa.
A sensação que me dá, disto tudo, é que o corpo está presente, mas a alma, expressada no rosto, fica escondida por de atrás de mascaras de teatro grego, que vão sendo trocadas a cada momento necessário. Num minuto é a tragédia, noutro é a comédia, intercalados por qualquer coisa vaga.

OBJETO NÃO IDENTIFICAVEL.

Tem gente que não se mostra.
Não se expõe.
Não se aproxima.
Não se mistura.
Não da sinal de luz.
Fica somente a margem.
No fluxo calmo da correnteza.
Flutuando no limite da água e da areia.
Balanceando nas ondas.
Se arranhando.
Como um objeto curioso e não identificável.

A PERIGOSA YARA

FRAGMENTOS DO CONTO: "DOZE LENDAS BRASILEIRAS" 
DE CLARICE LISPECTOR


Sim, mas houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava pescando e esqueceu-se de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi quando pensou: acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das sereias arriscadas — largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que adiantava fugir, se o feitiço da Flor das Águas já o enovelara todo? Lembrava-se do fascínio de seu cantarolar e sofria de saudade. A mãe do Tapuia adivinhara o que acontecia com o filho: examinava-o e via nos seus olhos a marca da fingida sereia.
Enquanto isso, Yara, confiante no seu encanto, esperava que o índio tivesse coragem de casar-se com ela. Pois, ainda nesse mês de florido e perfumado maio, o índio fugiu da taba e de seu povo, entrou de canoa no rio e ficou esperando de coração trêmulo.
Então a Yara veio vindo devagar, devagar, abriu os lábios úmidos e cantou suave a sua vitória, pois já sabia que arrastaria o Tapuia para o fundo do rio.
Os dois mergulharam e advinha-se que houve festa no profundo das águas.
As águas estavam de superfície tranquila como se nada tivesse acontecido.
De tardinha, aparecia a morena das águas a se enfeitar com rosas e jasmins.
Porque um só noivo, ao que parece, não lhe bastava.
Esta história não admite brincadeiras. Que se cuidem certos homens.

NA VELOCIDADE DA LUZ.


Semana passada eu estava na casa do meu filho e assisti da sacada, uma cena digna dos filmes de Fellini ou Vitório De Sica para um belo registro fotográfico. Um pai carregava numa velha bicicleta, seus dois filhos, para a escola. Conclui isto porque as crianças, uma sentada na frente e a outra atrás numa cadeirinha improvisada, levavam consigo pequenas mochilas penduradas nas costas.
A rua arborizada e com calçamento de pedras, alguns carros estacionados, completavam  o cenário para uma belíssima composição fotográfica, que correu tão rapidamente diante dos meus olhos, sem que eu tivesse tempo de pegar o telefone celular e ligar a câmera para um registro.
É, concluí que os milagres são únicos e correm na velocidade da luz.

APENAS O ÓBVIO


Sabe aquela foto MARAVILHOSA que um conhecido ou desconhecido bateu com ou sem pretensão e que te causou problemas com o namorado, o amante, o marido, o ficante, quando chegastes em casa? Ou mesmo aquela que ao chegar em casa solitariamente, te surpreendeu e fez você pensar, mas sou eu mesma?.. Ela é a constatação do óbvio, é o olhar de uma outra pessoa, capaz de capturar ângulos, sombras e revelar notoriamente pequenos detalhes, que a maioria não vê, nem mesmo você.


A fotografia possui esta magia reveladora de que podemos ser outras pessoas paralela ao que acreditamos ser e que transmitimos aos outros. Ela captura sombras, luzes, nuances, que a velocidade dos gestos, do olhar tornam-se imperceptíveis por outras expressões. Existe muita beleza em nós, ainda inexplorada e pouco conhecida que são vistas somente através de um clic revelador.

SEMPRE TEM ALGUÉM QUE NOS VIGIA DA JANELA.


Se cria na gente, um estado de excitação muito grande, ao roubar uma imagem sem pedir permissão, sem que a pessoa veja que está sendo fotografada. Roubar no bom sentido, o que às vezes funciona, noutros momentos não!..
Tu tá de bobeira, em algum lugar público, com uma câmera fotográfica na mão, que chama muito a atenção, ou com o celular e de repente surge a imagem na tua frente pronta, te pedindo para ser registrada. Então tu corre contra o tempo, liga a câmera, arruma o foco, verifica ângulos e a o mesmo tempo, tenta não ser visível ou pelo menos discreto, para não ser descoberto na invasão.
Mas daí é que vem aquela pergunta: O que é de domínio publico ou privado, quando se está numa rua, cercado de centenas de outras pessoas em atitudes comuns?.. 
O certo é que sempre tem alguém, que discretamente nos vigia na multidão ou de alguma janela!.

MEDO DE MORRER PELOS PÉS.

Já devo ter falado aqui no blogue, que existe três coisas que gosto de fazer, viajar, fotografar e contar histórias. Então vou contar uma que lembrei agora: Um amigo que já partiu deste mundo a alguns anos, sempre teve medo de morrer pelos pés. Dizia pra mim, que deitaria na cama, com os pés apoiados sobre travesseiros, na direção de uma janela entre aberta e algo, uma força desconhecida, tragaria seu corpo por inteiro, começando pelos pés. Pensava nisto com alguma frequência e acreditava nesta fatalidade, que fazia-o se prevenir, dormindo sempre com os pés encolhidos e protegidos pelas cobertas. Vai saber!..


Quando soube de sua morte, alguns anos depois, pensei nesta história, mas logo fui informado que tivera um AVC, num quarto de hospital, onde permaneceu por três dias e depois sucumbiu. Também fiquei pensando se no momento em que tentava convalescer da doença, poderia estar com os pés desprotegidos e na direção de alguma janela.

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TÔ PENSANDO QUE:

Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...