Passeio pelo Bric

Quando abri a janelas de meu quarto, a manhã prometia um belo dia de sol. E realmente cumpriu-se. Espreguicei-me, tomei meu banho e então a lembrança abençoada: Férias? Parecia inacreditável, mas era verdade. São apenas quinze dias sem prévios planos, sem dinheiro, mas já dá pra desopilar, descarregar, limpar um pouquinho a cabeça do stress mental dos últimos meses de plantões corridos, agitação, adrenalina, paradas cardíacas, atropelamentos, motociclistas caído ao solo, surtos psicóticos e daí se vão... Peguei meu carro e fui dar um passeio no “Bric da Redenção”, como há muito tempo não fazia. Encontrei entre alguns rostos conhecidos uma porção de desconhecidos, alguma manifestação política, que sempre se encontra aonde quer que vá. Entregas de panfletos do PT, do P Sol, encontros de grupos não governamentais em favor do meio ambiente, da prevenção do câncer de mama, dos homossexuais, adoção de filhotes de gatos e cachorros vira-latas, por que os de raça são vendidos, homem e mulher-estátua, palhaços gigantes e coloridos, som de violão misturado com gaita de boca, cantores nordestinos interpretando musicas Zé Ramalho, dança e cantorias indígenas, a classe média desfilando cuias de chimarão e animaizinhos de estimação perfumados, filas quilométricas na banca do acarajé, do suco natural sem açúcar... Visitei minhas preferidas, as de pintura a óleo e moveis antigos, andei mais um pouco pelo parque almoçei um quibe com suco de abacaxi entre pequenos empurrões e com -licenças educados e fui-me embora ver o sol no Guaiba.

Numero do azar

Meu colega enquanto dirigia a ambulância ficou estranhamente calado como se estivesse fazendo alguma reflexão e só depois de alguns minutos me confidenciou seu pouco entusiasmo nos ultimos meses de trabalhar em nosso serviço. Referia-se a morte de outros colegas num período curto de tempo. Alguns de morte natural, outros violentamente, por assassinato e acidente de transito.
Disse-me que se sentia como um dia eu descrevi e não mais lembrava: Numa pequena sala de estar com outras pessoas conhecidas, segurando na mão uma ficha numerada e que a todo o momento alguém abria a porta e anunciava um numero sorteado. Todos olhavam para suas fichas apreensivos, desconfortaveis. Então alguém cruzava pela porta de cabeça baixa, triste de seu fim, com o maldito numero na mão. O numero era o chamado para a morte do qual todos ali seriam sorteados sem exceção.

E'mail

Recebi um e'mail de uma amiga onde perguntava-me se eu tinha virado pássaro ou disco-voador...Via-me algumas vezes rapidamente voando pelos corredores do hospital, (este foi o termo usado), sem conseguir falar comigo. Perguntou-me ainda se eu continuava apaixonado, que ouviu de alguém que quando se está apaixonado, perdemos a cabeça e ficamos mais leves, se eu já tinha perdido a minha. Respondi-lhe constrangido pelo tempo que não nos falamos, que nem sempre as paixões nos deixam leves, pássaros e disco-voadores são seres misteriosos que pouco se sabe sobre eles e que todos nós temos um pouco. Quanto a perder a cabeça: Esta já a perdi faz tempo!..

Tadeu

Cruzei na rua ontem, por Tadeu Manssus sem que ele percebesse minha presença. Caminhava firme, com passos largos e elegantes como os de um atleta. Magro, cabelos brancos e sem aparência de doente. Tadeu e o segundo filho de um grupo de oito irmãos, cujo alguns mais jovens já se foram. Disse-me certa vez que seu segredo de longevidade era, não trabalhar, comer pouco, caminhar muito e fazer sexo quando o corpo pedir e o outro aceitar.

O menino e a ambulância

A ambulância deslocou-se rápido a o local do acidente. Quando chegou com a sirene meio falha, o menino assustado, disse a sua mãe que a ambulância estava doente. Todos então, riram enquanto atendíamos o homem atropelado!

Laços!

Ando com saudades de muitas coisas; Do peixe assado do Beto, da galinhada noturna na casa de dona Rita, das balistecas e foundes na Teresinha, das comidas diferentes do Rogério, dos papos cabeça de madrugada com a Alba, dos planos de viagem com a Jacque que nunca saíram, das bebidas misturadas da Didi, do papo simples e engraçado com o Abdil regado a vinho barato, dos churrascos em familia na casa da Borba, dos resmungos do Fernando, das gargalhadas do meu filho na seção de humor à tarde na tv, dos pagodes empolgados na casa da Taís. Muita gente não tenho visto por desculpas da falta de tempo, do excesso de trabalho, do cansaço diário. Nenhum motivo deve impedir que se mantenha esses laços tão importantes e fundamentais em nossa vida, vivos.

A escolha certa!

Pela manhã, não foi o relógio biológico que me despertou, mas o telefone celular que mostrava em seu visor a palavra "Privado"e a fréstinha da janela do quarto que prenunciava um belo dia de sol. Mesmo desconfiando de quem pudesse ser a ligação, atendi sem restrições. Estava certo! Era do meu serviço, convidando-me para fazer um plantão extra, o que me recusei por que ja estou no limite de cotas deste mês e também o excesso de plantão extras só me deixa cansado além da conta e engorda os cofres da receita federal. Então tomei meu banho, adiantei meu almoço e fui caminhar na praça. Levei minha agenda de anotações que nem abri e uma esteira onde acomodei-me sob a sombra de uma enorme Paineira de caule grosso e galhos espaçosos que serviam de palco para a fuzarca dos passarinhos. A grama estava aparada e podia-se sentir o cheiro de terra úmida saindo do chão. O sol entrava manso entre as folhas das arvores completando o clima perfeito. Um reduzido numero de pessoas caminhavam por ali naquela hora e isto me provocava a sensação de estar em outro mundo, que me trazia extremo conforto e bem estar. O ruido de alguns veículos que passavam eram tão ínfimos que eu podia contemplar ali, relaxado, toda a sinfonia da natureza à minha disposição, cercando-me por todos os lados. A natureza certamente sobrepõe-se sem limites a tudo e a todos sem exceção. Voltei para casa certo de que hoje, fiz a escolha certa.
Voce está convidado á conhece-la!

O menino sem dente

O menino cruzou por mim com um olhar firme, decidido e um dente protegido numa das mãos estendida. Disse-me que jogaria sobre o telhado para que Deus lhe mandasse um outro bem depressa. Lembrei de imediato que eu também fazia isto quando era criança.

Jesus de resina

Ainda menino, ganhei de minha avó a imagem de Jesus Cristo em resina amarela, do qual muito orei até ficar adulto e achar que não precisava mais dele. Mais tarde dei-o de presente para minha mãe que o colocou em seu santuário. Minha mãe deu-o para meu filho, que deixou-o em seu quarto e não sei o que fará depois...

O filhote

A mulher se apaixonou imediatamente quando viu o filhote deitado entre as coxas quentes de sua mãe numa exposição canina no chopin . Pelos dourados, perninhas curtas, rabinho cotó e aqueles olhinhos marotos, curiosos que pareciam de uma criança inocente! Quis abraço-lo e beija-lo, era o filho que não conseguiu ter. O marido puxou-a pelo braço dizendo entre dentes: Nem pensar!..

O casal Gay

Eu estava sentado no Café do chopin, quando os dois passaram, um com o braço sobre o ombro do outro, mostrando sem nenhum pudor uma relação que sugeria ser mais que uma simples amizade. Desviavam das as pessoas, livres, sem se separarem fisicamente um do outro, despreocupados, despojados, admirando as vitrinas iluminadas sem aquela afetação que se espera dos gays. Não pude deixar de perceber também o sobressalto discreto dos freqüentadores educados que desviavam seus olhares na direção dos dois, sob o conhecido sorrisinho mascarado do preconceito. O vigilante parado de pé próximo da escadaria, até passou disfarçadamente a mão em seu pênis, enquanto esboçava um ar de desaprovação, reforçando para si mesmo sua masculidade. Neste sábado, mais do que tomar uma taça de café expresso, na praça de alimentação do chopin, recebi uma lição rápida e um grande aprendizado, onde percebi todas as nuances cínicas de comportamento moral de uma sociedade hipócrita e escrupulosa, que finge ser moderna somente da boca para fora, que ainda engatinham na sua educada ignorância. Quanto a o casal gay? Só me restou aplaudi-los.
Leia também neste blog: *Exotismo e Obscuridade

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Quando as nossas emoções, alegrias e tristezas passam do tempo, nossos sentimentos humanos ficam acomodados numa cesta do tempo recebendo so...