Um cadáver no supermercado

O frango à caipira exposto no balcão climatizado do supermercado, me causou tamanha sensação de mal estar, que carreguei aquela imagem por vários dias na cabeça. Além de ser uma ave grande, lembrando de um peru, estava acomodado dentro de uma sacola de plástico, praticamente inteiro. Os  pés, o pescoço, a cabeça com crista e olhos fechados de quem sofreu ao  se entregar ao abate, me dava a impressão de que era um cadáver e não um produto para o consumo. É claro que não deixava de ser um cadáver, mas alguns cuidados tomados com certos padrões estéticos e de apresentação de produtos, são capazes de modificar nossas impressões e conceitos, instigadas por nossos olhares morais; não é mesmo? Em outras palavras quero dizer que alguns distribuidores devem ter a preocupação de  expor seus produtos com uma apresentação que não assustem seus clientes.
Eu lembro de quando trabalhava no bloco cirúrgico do Pronto Socorro, os pacientes que se submetiam a cirurgias, eram posicionados e coberto por panos verdes e grossos, que chamávamos de campos, afim de manter a integridade do paciente e do procedimento cirúrgico, impedindo a proliferação de gemes e do risco de contaminações. Este é um procedimento normal e rotineiro nas salas de cirurgias. Esta proteção com panos (campos), sobre o corpo do paciente, protegia-o de tal forma, que me causava a impressão, e acho que também para quem trabalhava no procedimento, que não era uma pessoa, mas um corpo humano, com partes delimitadas a serem abertas com um bisturi, sem culpas e fricotes morais.
Tudo se tornava mais fácil e emocionalmente impessoal, quando alguns padrões estéticos são adicionados de modo a camuflar impactos visuais, eu pensava.
Aquela ave no supermercado, não estava cortada e embalada adequadamente de forma a atrair  consumidores, mas exposta como um cadáver para possíveis estudos periciais. Foi o que senti quando a avistei no balcão.

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