Alguma armadilhas que não consigo lidar...

Foi uma surpresa encontrar o Jerson ontem, aquela hora da tarde tão chuvosa, numa das ruas da cidade que não parecia a nossa, mas outra cidade desconhecida de um lugar qualquer. Nos reconhecemos de imediato, eu de macacão azul, muitos quilos à mais e ele de jeans, camisa social e um suéter bege que não combinava com os cabelos de um amarelo queimado pelo Sol e muitos fios grisalhos.  
Acho que no primeiro momento, quando cruzamos nossos olhares, houve uma reciproca negação, como se não quiséssemos nos reconhecer depois de mais de 30 anos, com os aspectos físicos bem diferente do que fomos no passado aos 16 anos.
 _Nossa que coincidência, tu por aqui?.. Eu estava passando, quando esta senhora desmaiou e então decidi chamar a ambulância! Será que ela vai ficar bem? -Acho que foi isto que ele falou num meio sorriso...
_Eu já te informo assim que terminar!- respondi num tom de voz tenso e desajeitado, enquanto examinava a paciente sentada numa cadeira de plástico colocada sobre a calçada e protegida pela marquise.
Lembrei rapidamente que muitas e muitas noites em que varamos a madrugada jogando conversa fora, ele tocando musicas de Jorge Ben e Vinicius de Moraes no violão, enquanto tentávamos encontrar respostas para aquelas perguntas complexas guardadas em nós e que quando se é jovem,  se tem aos montes e  só são respondidas com a maturidade que mais tarde, exige novas questões urgentes. 
Ele estava parado na rua entre outras pessoas que amparavam uma senhora de rosto muito pálido e então levei alguns minutos para me localizar diante de toda a situação. 
Sua voz continuava a mesma, pontilhada, controlada, porém  tomada de uma timidez e nervosismo talvez  atribuída a toda a  situação incomum em que se encontrava.
Eu me achava em alguns momentos ausente do que estava fazendo e também incomodado, uma vez que me desconforto ao trabalhar sob olhares curiosos e mais ainda, com a armadilha que o destino  havia me provocado, sem eu estar preparado. 
Nunca imaginei este encontro e se tivesse que idealiza-lo não seria desta forma, num momento atribulado do trabalho e sob o olhar publico de desconhecidos.
Sua presença me inibia tanto quanto me causava um sentimento nostálgico. Inexplicavelmente não conseguia aceitar este encontro cujo o espaço de tempo nos roubou afinidades e agora nos posicionava um diante do outro de forma tão formal e distante. Fiquei sem ação. O que dizer naquele momento: É.., pois é..,vai continuar chovendo hoje?..
Depois de colocar-mos a paciente dentro da ambulância, ele posicionou-se na porta com  a expressão menos assustado e despediu-se agradecendo nossa atenção com um breve sorriso reticente. 
Depois que cheguei em casa, fiquei pensando no porquê coloquei a culpa em coisas tão subjetivas, me eximindo de responsabilidades. Era só apertar o botão, me desarmar, abrir um sorriso e depois contar uma outra história final.

Comentários

Postagens mais visitadas