Resgate

Acontece que no meu trabalho não salvamos somente vidas na eminência da morte, mas também resgatamos almas.
Há alguns dias a traz, atendi um jovem que se acidentou de moto e logo depois de todo o protocolo e anamnese realizado dentro da ambulancia, ficou alguns minutos em silencio, depois desabou a chorar. Imaginei que fosse aquele processo de que quase todos passam depois de um acidente e descobrem que ainda estão vivos, que escaparam por um triz, ou a concientização de que quase morreram e então timidamente pediu para que eu segurasse a sua mão. Segurei-a com força e fomos até o hospital onde seria recebido. Durante o caminho me falava sobre o seu pai e sua dificuldade de relacionarem-se e que em tantos anos de vida não lembrava de ter segurado a mão de seu pai em momentos difíceis como naquele momento.
Senti por alguns minutos, assumir uma grande responsabilidade, ser o pai de um de um jovem estranho de 24 anos que me pedia para resgatar dividas emocionais insuportaveis e que eram fundamentais serem resgatadas.

Comentários

  1. Querido amigo,
    Recebi este poema de uma amiga e lembrei de vc. Vai do fundo à superfície e se não controlar desaba em lágrimas. bjs. Josi

    Sinto Saudades
    (Clarice Lispector)


    Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
    Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
    quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
    eu sinto saudades...

    Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
    de pessoas com quem não mais
    falei ou cruzei...

    Sinto saudades da minha infância,
    do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
    do penúltimo e daqueles que ainda vou ter,
    se Deus quiser...

    Sinto saudades do presente,
    que não aproveitei de todo,
    lembrando do passado
    e apostando no futuro...

    Sinto saudades do futuro,
    que se idealizado,
    provavelmente não será do jeito
    que eu penso que vai ser...

    Sinto saudades de quem me deixou
    e de quem eu deixei!
    De quem disse que viria
    e nem apareceu;
    de quem apareceu correndo,
    sem me conhecer direito,
    de quem nunca vou ter a oportunidade
    de conhecer.

    Sinto saudades dos que se foram
    e de quem não me despedi direito!

    Daqueles que não tiveram
    como me dizer adeus;
    de gente que passou na calçada
    contrária da minha vida
    e que só enxerguei de vislumbre!

    Sinto saudades de coisas que tive
    e de outras que não tive
    mas quis muito ter!

    Sinto saudades de coisas
    que nem sei se existiram.

    Sinto saudades de coisas sérias,
    de coisas hilariantes,
    de casos, de experiências...

    Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
    e que me amava fielmente,
    como só os cães são capazes de fazer!

    Sinto saudades dos livros que li
    e que me fizeram viajar!

    Sinto saudades dos discos que ouvi
    e que me fizeram sonhar,

    Sinto saudades das coisas que vivi
    e das que deixei passar,
    sem curtir na totalidade.

    Quantas vezes tenho vontade de encontrar
    não sei o que...
    não sei onde...
    para resgatar alguma coisa
    que nem sei o que é e nem onde perdi...

    Vejo o mundo girando e penso
    que poderia estar sentindo saudades
    Em japonês, em russo,
    em italiano, em inglês...
    mas que minha saudade,
    por eu ter nascido no Brasil,
    só fala português, embora, lá no fundo,
    possa ser poliglota.

    Aliás, dizem que costuma-se usar
    sempre a língua pátria,
    espontaneamente quando
    estamos desesperados...
    para contar dinheiro... fazer amor...
    declarar sentimentos fortes...
    seja lá em que lugar do mundo estejamos.

    Eu acredito que um simples
    "I miss you"
    ou seja lá como possamos traduzir
    saudade em outra língua,
    nunca terá a mesma força e significado
    da nossa palavrinha.

    Talvez não exprima corretamente
    a imensa falta
    que sentimos de coisas
    ou pessoas queridas.

    E é por isso que eu tenho mais saudades...
    Porque encontrei uma palavra
    para usar todas as vezes
    em que sinto este aperto no peito,
    meio nostálgico, meio gostoso,
    mas que funciona melhor
    do que um sinal vital
    quando se quer falar de vida
    e de sentimentos.

    Ela é a prova inequívoca
    de que somos sensíveis!
    De que amamos muito
    o que tivemos
    e lamentamos as coisas boas
    que perdemos
    ao longo da nossa existência...


    (Clarice Lispector)

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